quinta-feira, 21 de maio de 2009

A Tutela Cautelar

Olá a todos,
O trabalho sobre as providências cautelares, é hoje dia 21 de Maio, apresentado, todavia, face ao reduzido tempo para exposição, que cabe a cada um dos membros do grupo, não é possivel apresentar a totalidade do trabalho. Assim, optamos por deixar aqui no blogue, o resultado escrito, do respectivo trabalho, de modo que não se perca, a dedicação ao mesmo...
O grupo é constituido por quatro elementos, tendo cada um trabalhado uma parte da respectiva matéria. A parte que agora publico, respeita á minha própria, e abarca, a parte histórica da figura, o tratamento que a mesma teve em algum do Direito Comparado, e termina com a evolução da Tutela Cautelar no nosso ordenamento.
Boas "ondas" a todos!
João Guerreiro



Tema – A Tutela Cautelar Administrativa


“Raizame da Tutela Cautelar Administrativa” (Sub-título)

I – Noção de Tutela Cautelar Administrativa

II – O Raizame Tutelar Cautelar Administrativo:

A – As Raizes exógenas:
1 – A Raiz Comunitária:
1.1. – A Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia
1.2. – A Tutela Cautelar in concreto fundada no Direito Comunitário (casos em que houve recurso á tutela cautelar fundada directamente no direito comunitário)
1.3. – Sintese conclusiva da influência do Direito Comunitário

2 – A Raiz do Direito Comparado:
2.1. – A Tutela Cautelar no Direito Comparado.
2.1.1. – Alemanha
2.1.2. – Espanha
2.1.3. – França
2.1.4. – Itália
2.2. – Sintese conclusiva

B – As Raizes endógenas
1 – A evolução da Tutela Cautelar em Portugal
2 – As alterações á Tutela Cautelar de 2004




I – Noção de Tutela Cautelar Administrativa
O conceito de Tutela Cautelar está envolto, num conjunto de dificuldades, que vão desde a compreensão dos tipos de processos e das técnicas que os mesmos compreendem até á sua própria sistematização.

A dificuldade de chegar ao conceito de “Tutela Cautelar”, resulta quer da variação terminológica utilizada nos vários sistemas processuais influenciadores, quer da própria natureza do instituto. Isto é, a dificuldade de conceptualização, assenta em razões extrinsecas á figura, como seja, a apontada variação terminológica utilizada nos vários ordenamentos juridicos, mas tambem em, razões intrínsecas, como seja a própria natureza “complexa” da figura.

A aproximação ao conceito exige a análise, do tratamento doutrinário que a figura tem tido ao longo do tempo, nos vários ordenamentos juridicos. Sendo neste ãmbito possivel, sistematizar o conceito de Tutela Cautelar sob três prespectivas:
a- uma perspectiva redutora
b- uma perspectiva intermédia
c- uma perspectiva ampla

a- Numa perspectiva redutora, em que a Tutela Cautelar era entendida como integrando apenas os mecanismos processuais de garantia da execução coactiva de uma sentença condenatória.
Neste sentido, eram cautelares as medidas de garantia, destinadas a evitar a dissipação do património do devedor e a assegurar a garantia patrimonial do credor. Podemos apontar, como exemplos concretos desta cautela:
-o caso do arresto ou arrolamento, no sistema português;
-o caso da saisie conservatoire e da saisie revendication, no sistema francês;
-o caso do séquestre, no sistema suiço;
-o caso do sequestro conservativo, no sistema italiano;
-o caso do embargo preventivo de bienes, no sistema espanhol.

Esta é uma perspectiva, que actualmente não tem muitos seguidores, porque:
- reduz a Tutela Cautelar á sua função de assegurar a execução futura de uma sentença;
- reduz o processo cautelar, a acessório ou até mesmo, a um mero “anexo” do processo executivo;
- qualifica como não cautelar e simultaneamente como sumário, a medida que regula provisóriamente uma situação e que antecipa os efeitos da decisão de um processo principal, permitindo a satisfação da pretensão daquele a favor de quem foi ordenada.

b- Numa perspectiva intermédia, a Tutela Cautelar é identificada como um tipo de Tutela pré-ordenada para assegurar o efeito útil da sentença principal (declarativo ou executivo) de um processo principal, seja pela função de conservar, seja de antecipar de forma reversivel para o futuro a decisão de mérito.
Em conformidade com esta perspectiva, se para se combater os dois tipos de periculum in mora do processo principal, houver necessidade de emitir uma medida com estrutura antecipatória, esta ainda terá natureza cautelar, desde que nela se identifique a caracteristica da instrumentalidade.

c- Numa perspectiva ampla, a Tutela Cautelar visa assegurar a efectividade da decisão que põe fim a um processo.
Pelo que, a Tutela Cautelar compreenderá:
-um conjunto de processos que têem como função garantir a execução coactiva de uma sentença favoravel ao credor;
-o tipo de processos que têem como função assegurar o estado da situação anterior ao evento controvertido (status quo ante);
-o tipo de processos que têem como função decidir interinamente o objecto imediato da causa principal.

Este modo de perspectivar a conceptualização da Tutela Cautelar, não delimita o âmbito da mesma, segundo o seu perfil teleológico e estrutural e tende a não distinguir a Tutela Cautelar de outras formas Tutelares, como a provisória, a antecipatória e a sumária.


Do exposto, resulta que, a melhor aproximação ao conceito e essência da Tutela Cautelar será aquele, que configurar esta, como um tipo de tutela jurisdicional, em que a distinção far-se-á fundamentalmente, atendendo ao seu perfil teleológico. Podemos alinhar na doutrina vários autores, que comumgam desta posição, a titulo meramente exemplificativo:
- Calamandrei: “a qualidade distintiva está na relação de instrumentalidade que liga fatalmente a providência cautelar á providência principal cujo sucesso efectivo se encontra facilitado e assegurado antecipadamente por actuação do primeiro.”
- José Alberto dos Reis: “o processo cautelar só pode constituir um tipo específico se o encaramos através do prisma funcional...”
- Montesano: “o procedimento cautelar... tem o fim de assegurar determinados efeitos: conseguir que a situação presente seja transposta para uma vindora decisão, antes que seja tarde.”

A Tutela Cautelar, têm como fim assegurar a utilidade e a efectividade da Tutela Jurisdicional que é realizada num processo declarativo ou executivo, do qual está dependente, ainda que dele mantenha uma autonomia relativa, garantindo a integridade da questão controvertida, que é objecto desse processo (declarativo ou executivo) ou regulando-o provisóriamente até á sua composição definitiva.


II – O Raizame Tutelar Cautelar Administrativo:
Não sendo a “Tutela Cautelar”, uma criação originária do Legislador português, uma tentativa de compreensão da figura, impõe como necessário uma abordagem ao objecto e sujeitos influenciadores.
É possivel uma sistematização das influências em dois conjuntos principais:
- um conjunto, de criação exterior ao nosso ordenamento juridico, mas do qual ele se alimenta, umas vezes mais famintamente que outras, o qual denominamos de “raizes exógenas”. São dois os tipos de solos que contribuem para esta criação: o solo comunitário e o dos outros ordenamentos juridicos de cuja permeabilidade o nosso se aproveita;
- outro conjunto, de criação interna do nosso próprio ordenamento juridico, cuja endogenia provêm do labor doutrinario e jurisprudencial das nossas próprias instituições ao longo do tempo. Conjunto que designamos de “raizes endogenas”.


A – As Raizes exógenas:
Como fundamentos, de criação externa aptos a influenciar a Tutela Cautelar no âmbito do nosso ordenamento juridico, é de apontar o tratamento que a figura teve no Direito Comunitário e no Direito Comparado. Estas raizes exógenas, além de alimentarem o espirito doutrinário, foram num modo mediato fonte da própria legiferação nacional.


1 – A Raiz Comunitária:
A influência do Direito Comunitário, no tratamento e consolidação dogmático da figura no nosso ordenamento juridico, foi assaz significativa, não só pela necessidade de harmonização dos ordenamentos juridicos no espaço europeu, como pela aplicabilidade de providências cautelares directamente fundadas no Direito Comunitário, nos nossos tribunais.
Esta é uma raiz muito forte, da Tutela Cautelar no nosso ordenamento juridico, pelo que se impõe na sua análise, uma dupla explicitação dos fundamentos:
- por um lado, a compreensão da Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia;
- e por outro lado, a relevância da aplicação, no caso concreto, pelos Tribunais nacionais, da Tutela Cautelar directamente fundada no Direito Comunitário.
Assim,


1.1. – A Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia
O contencioso comunitário, em matéria de Tutela Cautelar, consagra a existência e regulamenta, dois tipos de providências cautelares:
a-a suspensão da eficácia (art. 242º do TCE);
b-as providências cautelares não especificadas (inominadas) (art. 243º do TCE)

a-a suspensão da eficácia
A suspensão da eficácia, é uma medida que o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia pode ordenar, e que se traduz na suspensão da execução de um acto préviamente impugnado, se o mesmo entender que as circunstâncias o exigem (art.242º do TJCE). Esta medida, apresenta-se com muita relevância, neste dominio, porque os recursos interpostos para o TJCE, não têm efeito suspensivo.
A Tutela Cautelar comunitária apresenta caracteristicas comuns ás da generalidade dos ordenamentos juridicos dos Estados Membros, como sejam as caracteristicas da instrumentalidade e provisioriedade (veja-se a exigência da prévia impugnação de um acto em sede de recurso de anulação- art.230º do TCE, ou em sede de processo principal- artº 236º do TCE). Todavia, é possivel apontar uma singularidade ao nivel desta caracterização, que é o facto de a providência cautelar não poder ser requerida como preliminar do respectivo processo principal.
A regulamentação da suspensão da eficácia no contencioso comunitário é regulada nos arts. 83º e segs do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e nos arts. 104º e segs do Regulamento do Processo do Tribunal de Primeira Instância. E são nestas disposições que se estabelecem os denominados requisitos de decretação da suspensão da eficácia. Requisitos estes susceptiveis de serem sistematizados do seguinte modo:
a.1. Requisitos especificos:
- ser o tribunal ao qual se requer a suspensão da eficácia o tribunal competente para o processo principal e ser o meio principal utilizado pelo requerente o meio adequado á impugnação daquele acto concreto.
- já ter o requerente impugnado, á data da suspensão, o acto perante o tribunal comunitário competente
- ser a suspensão necessária e urgente para se evitar para o requerente prejuizos graves e irreparaveis que lhe advirão da imediata execução do acto (periculum in mora)
- existir aparência de bom direito (fumus boni iuris)
- ser a suspensão de decretar após a adequada ponderação de interesses da comunidade em face do interesse do requerente na supensão da eficácia do acto (critério da ponderação de interesses)
a.2. Requisitos genéricos:
- legitimidade: em conformidade com o art.83º nº 2 do RPTJ e art. 104º nº2 do RPTPI, tem legitimidade para requerer a suspensão da eficácia qualquer pessoa que seja parte no processo principal pendente no tribunal
- tempestividade: a tempestividade encerra duas permissas, a suspensão não pode ser requerida antes de dar entrada o processo principal, nem depois de o processo já ter sido julgado.

b-as providências cautelares não especificadas (inominadas)
É através da Tutela Cautelar Inominada que se permite o decretamento de todas as providências, de caracter positivo ou negativo, que sejam adequadas a tutelar situações juridicas em que um aparente direito se encontre em perigo.
As providências cautelares não especificadas são tambem instrumentais face aos correspondentes processos principais. Além de que só podem ser requeridos na pendência de um processo principal. É por este facto, que a jurisprudência comunitária tem entendido que a providência cautelar não pode ter efeitos irreversiveis sobre a situação juridica, procurando desse modo evitar a inutilização da sentença no processo principal.
Atentando nos meios processuais principais, que o contencioso comunitário dispõe, é possivel configurar como processos principais, compativeis com as providências cautelares, a:
- acção declarativa de omissão (art.232 do TCE)
- acção de incumprimento instaurada contra um Estado Membro (art. 228º nº2 do TCE)
- acção de efectivação da responsabilidade civil extracontratual da comunidade (art.228º do TCE)
Quanto aos requisitos de decretação, são os mesmos da suspensão da eficácia, devidamente adaptados a esta realidade.
Refira-se por ultimo, que é no âmbito das providências cautelares inominadas, que os poderes do Juiz se expandem, isto porque neste dominio ele não está limitado pela providência requerida, e pode decretar uma providência diferente da peticionada.


A Jurisprudência do TJCE, tem entendido que, no âmbito da aplicação da suspensão de eficácia e das providências cautelares inominadas, a tutela inominada é subsidiária face á suspensão da eficácia, pelo que só actuará quando esta ultima se revelar inadequada ou insuficiente.

Estas providências (inominadas e suspensão da eficácia), só remotamente produzem efeitos juridicos no ordenamento juridico-administrativo dos Estados Membros. No entanto, servirão sempre de modelo a outras providências cautelares que se destinem a tutelar a legalidade comunitária, embora não sejam decretadas pelos orgãos jurisdicionais dos Estados Membros.


1.2. – A Tutela Cautelar in concreto fundada no Direito Comunitário (casos em que houve recurso á tutela cautelar fundada directamente no direito comunitário)
É no âmbito das providências cautelares fundadas no Direito Comunitário, mas decretadas pelos tribunais nacionais, que se verificou uma influência determinante do Direito Comunitário, na mudança do padrão da Tutela Cautelar, em quase todos os Estados Membros.
Esta influência, radica na invocação perante os tribunais nacionais, de situações juridicas e direitos baseados no próprio Direito Comunitário.
No entanto, esta invocação levantava uma questão que perdurou controversa, durante certo tempo, que era a de saber, se os tribunais nacionais estavam habilitados a decretar providências cautelares de modo a evitar ou fazer cessar a violação do Direito Comunitário, e no caso de se entender que sim, nova questão se levantava, que era a de saber por que ordenamento juridico se regeria a decretação da providência, se pelo nacional, se pelo comunitário.
Actualmente, podemos afirmar, a existência de consenso, quanto a esta questão. Isto porque, é jurisprudência pacífica do TJCE, que o princípio da efectividade do Direito Comunitário, exige que os tribunais nacionais actuem na defesa da ordem juridica comunitária, como se de verdadeiros tribunais comunitários se tratassem.
Podemos hoje afirmar, que o percurso Jurisprudencial do contencioso comunitário, em particular do Acórdão Factortame ao Acórdão Antonissen, estabeleceu um trilho interpretativo, no sentido da subjectivação da Tutela Cautelar e da protecção efectiva dos direitos dos particulares.
Esta linha Jurisprudencial, no dominio do contencioso comunitário, teve outro relevante aspecto positivo, que foi aumentar a pressão sobre os Estados Membros, com ordenamentos juridicos desprovidos de uma Tutela Cautelar plena e eficaz (como era o nosso caso até a entrada em vigor do CPTA), no sentido de se adaptarem e legislarem nessa matéria.
Diga-se ao propósito, que contemporaneamente a esse periodo, e nesses ordenamentos “sobre pressão”, se assitiu então a um fenómeno de interessante esquizofrenia, por parte dos sujeitos decisores, da concessão da Tutela Cautelar. Acontecia que, a reacção do Juiz á concessão da Tutela Cautelar, variava consoante esta, tratasse da tutela de direitos com origem no Direito Comunitário, circunstância em que ele dispunha de amplos poderes, ou se tratasse da tutela de direitos com origem no Direito Interno, caso em que os poderes eram manifestamente mais restritos (quer quanto á amplitude das providências cautelares admissiveis, quer quanto ao preenchimento dos requisitos para a sua decretação). (Foi uma situação bastante comum no Reino Unido)

1.3. – Sintese conclusiva da influência do Direito Comunitário
Do exposto, resulta que o Direito Comunitário, teve um papel impulsionador ao nivel do incremento da Tutela Cautelar, na generalidade dos Estados Membros. Sobretudo, pela aplicação dos modelos comunitários de proteção cautelar, que provocaram um efeito de choque, indutor de uma onda reformadora que acabou por atingir o nosso ordenamento juridico.
Refira-se no entanto, que contemporaneamente, ha quem entenda que o Direito Comunitário, está neste dominio obsoleto, por força, dessa onda reformadora, que varreu a generalidade dos ordenamentos juridicos, desde finais do seculo passado (finais dos anos 90), estando como que “esvaseado de conteúdo”, face ao periodo anterior em que era olhado com desdém.


2 – A Raiz do Direito Comparado
O Direito pensado, criado e aplicado em outros ordenamentos juridicos, desde sempre, é apontado como fonte de direito, dos vários ramos existentes, não constituindo a Justiça Administrativa, uma excepção a essa regra.
Todavia, impôe-se neste âmbito, algumas considerações, tanto o mais, que o Direito Comparado, não é homogeneo, nem tem uma matriz única, que permita balizar as suas caracteristicas e propriedades influenciadoras.
Uma consideração inicial, respeita ao estado de inércia dos tribunais administrativos, e á situação de morosidade caracteristica da realização da justiça administrativa em que alguns paises da Europa, como a Alemanha, a Italia, a Espanha, a França, e o Reino Unido, se encontravam na alvorada deste milénio.
Nos últimos anos, estes modelos tem sido objecto de constantes reformas legislativas, em regra, parcelares, em que quase sempre, se verifica que a Justiça Administrativa, se transforma num solo de ensaios ou experiências legislativas sucessivas. Por regra, estas reformas introduziram o mesmo tipo de soluções, que se traduziram essencialmente, na aceleração e simplificação processual. Sendo que, em simultaneo com essas soluções, o legislador contemplou a orgânica judiciária de alterações, traduzidas na criação ou extinção de diferentes niveis de jurisdição.
Embora, os melhoramentos processuais introduzidos, divirgam de país para país, consoante as suas tradições e opções politico-legislativas, é possivel apontar uma intenção comum, que foi a de beneficiar os sistemas de mecanismos de aceleração processual. Podemos referir, como mecanismos de aceleração processual, entre outros, o encurtamento dos prazos processuais, a desformalização dos actos processuais, a criação das formas de acção sumária e provisória.
As reformas que estes sistemas sofreram, traduziam tambem, uma vontade de aperfeiçoar o modelo de Tutela Cautelar, modificando-o quanto ao tipo de medidas provisórias previstos, aos pressupostos de procedência das medidas e através da instituição dos processos de tutela urgente, cuja natureza juridica a doutrina de então discutia.
Do conjunto dos sistemas de justiça administrativa, que aqui procuramos dar conta e tratar e, no que respeita ao sistema cautelar neles instituido, é possivel configurar dois modelos, que se teem por opostos. São eles:
- o que consagra um tradicional ou tipico mecanismo de suspensão da eficácia de actos administrativos, que na ausência de efeito suspensivo do recurso de anulação do acto administrativo, evitam a perda da utilidade da sentença anulatória. Em alguns ordenamentos juridicos, que consagram este modelo, existe simultaneamente com o mecanismo da supensão de actos, um outro tipo de Tutela Cautelar, que se caracteriza por uma Tutela Cautelar Inominada, a qual está sujeita a apertados limites quanto ao seu conteúdo e condições de procedência
- e, o que consagra a Tutela Cautelar, assente, quer na suspensão da eficácia dos actos administrativos, que regra geral, funciona automaticamente pelo acionamento dos meios principais de impugnação dos actos, quer em medidas provisórias não especificadas, cujo campo de aplicação tem sido alargado ao longo do tempo. É o caso do sistema alemão.

O papel que a Tutela Cautelar, assume nos ordenamentos juridicos, e em concreto nos modelos de justiça administrativa, tem vindo a aumentar, desde o final da 2ª Guerra Mundial.
Desde essa data, tem-se acentuado a constitucionalização dos direitos do Individuo, de entre os quais se conta o direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva. Diga-se no entanto, que embora a generalidade das Constituições, consagre de forma expressa o direito a uma Tutela Judicial Efectiva, nem todas clarificam qual o conteúdo concreto desse direito. Tornando-se, necessário nestes casos, o recurso á clarificação do estatuto e respectivo direito, pelos Tribunais Constitucionais.


2.1. – A Tutela Cautelar no Direito Comparado
Com o objectivo de se delimitar os conteúdos e optimizar os resultados da comparação, que são relevantes na Tutela Cautelar, impõe-se nesta deambulação pelo Direito Comparado Seleccionado, o estabelecimento de critérios objectivos de selecção da matéria comparante.
Entendemos por conseguinte, que o melhor critério (e possivel para este efeito), será aquele que procure, no âmbito dos ordenamentos juridicos seleccionados, responder ás questões, (i) sobre o tipo de medidas cautelares previsto, e (ii) sobre as condições de procedência da decisão cautelar (a sumariedade cautelar).


2.1.1. – Alemanha
O sistema de Tutela Cautelar alemão, configura-se como um sistema de natureza subjectivista, que favorece os requerentes cautelares. Sistema este, que tem sido fonte de inspiração e influência para muita doutrina e jurisprudência, juridico-administrativa estrangeira.
i- tipos de medidas cautelares previstas no ordenamento alemão:
O sistema alemão de Tutela Cautelar, consagra duas variantes protectivas, ao nivel da Tutela Cautelar. São elas:
a-o efeito suspensivo automático da impugnação do acto administrativo.
Esta, suspensão automática da eficácia do acto, funciona, como regra, quando se acciona uma impugnação administrativa ou quando se recorre jurisdicionalmente do acto administrativo.
Nos casos excepcionais, em que o efeito automático suspensivo dos meios impugnatórios ou anulatórios não actuam, ha necessidade imediata do acto, fixado por lei ou por menção do autor do acto. Pelo que, se permite ao requerente solicitar ao Juiz, que aprecie a questão da suspensão ou do eventual restabelecimento do efeito suspensivo.

b-a emissão de uma ordem provisória
A ordem provisória, comporta dois tipos de Tutela Provisória, atendendo ao seu conteúdo, efeitos e limites. São eles:
b.1.- a ordem asseguradora: que é emitida para satisfazer a necessidade de conservar um determinado status quo, quando se receia que seja alterada de forma irreversivel e definitiva, enquanto o requerente aguarda a decisão do processo principal. É através deste tipo de ordem que é garantida a Tutela Preventiva.
b.2.- a ordem reguladora: é ordenada quando o particular já não pretende apenas guardar um determinado estado de direito ou de facto, mas quando este deseje que o Juiz Cautelar modifique e inove o status quo ante, porque de outra forma a sentença da acção principal deixaria de ter efeito útil. Neste caso, o Juiz antecipa de forma provisória uma regulação judicial.

ii- condições de procedência da decisão
Quanto á suspensão automática da eficácia, constituem condições de procedência da decisão, a verificação cumulativa da:
-a aparência do bom direito
-o periculum in mora
Quanto às ordens provisórias, não existe na doutrina nem na jurisprudência, consenso quanto ás condições de procedência da decisão. Como decorrência legal (art.123º do VwGO), só existem duas condições de procedência:
-a existência de uma pretensão juridica subjectiva
-a existência de uma necessidade de protecção cautelar urgente.
Todavia, há doutrina e jurisprudência que acrescentam, uma terceira condição de procedência, cumulativa com as outras duas, que é a que corresponde à ponderação de interesses publicos e privados.


2.1.2. – Espanha
Antes da Reforma do Contencioso Administrativo de 1998 (Lei nº29/98 de 13 de Julho), a Tutela Cautelar em Espanha, consagrava apenas uma medida, que era a suspensão da eficácia de actos administrativos.
Com a referida Reforma, consagrou-se um principio de atipicidade, do qual decorre que passa a ser possivel adoptar tantas medidas quantas as necessárias para assegurar a efectividade da sentença. Além de que, por força da garantia de Tutela Judicial Efectiva, as medidas cautelares podem ter caracter conservatório ou antecipatório.

i-tipos de medidas cautelares previstas no ordenamento espanhol.
A lei consagra a existência de dois sistemas distintos de medidas cautelares:
a-um regime cautelar comum: quando se trate de actos ou regulamentos;
b-um regime cautelar especial: quando está em causa casos de omissão administrativa.

ii-condições de procedência da decisão
As condições de procedência da decisão Tutelar Cautelar, variam consoante o regime perante o qual estejamos.
No Regime Cautelar Comum, são apontados como condições de procedência da decisão:
- o periculum in mora;
- a ponderação de todos os interesses em conflito no processo, de acordo com o principio da proporcionalidade.
Quanto a estas refira-se que o legislador espanhol, não consagrou de forma expressa o fumus boni iuris. E que a doutrina espanhola, não atingiu ainda o consenso, sobre a sua necessidade, neste tipo de Tutela Cautelar.

No Regime Cautelar Especial, as condições de procedência da decisão, são diferentes do regime geral. São eles:
- o fumus boni iuris;
- a ponderação de interesses.


2.1.3. – França
Em 2000, o ordenamento juridico francês, foi objecto de uma profunda Reforma, no âmbito da Tutela Cautelar. Dessa Reforma, pode-se apontar como relevantes alterações:
- a admissibilidade do decretamento da suspensão da eficácia de um acto administrativo pelo Juiz do Apelo (référé);
- a aceleração do procedimento de Apelo (référé)
- a possibilidade de o Juiz do Apelo dirigir ordens á Administração
- a possibilidade de o Juiz de Apelo antecipar os efeitos da decisão de fundo
- a criação de um original procedimento de Apelo, no processo administrativo para a defesa das liberdades fundamentais perante qualquer actuação da Administração (Apelo de Liberdade – Référé Liberté)

i-tipos de medidas cautelares previstas
Da referida Reforma, emergiram uma série de Procedimentos Rápidos, de entre os quais se destacam os Apelos (Référés) (traduzimos aqui de forma livre, face á não tradução do francesismo pela doutrina), que são processos rápidos, que terminam ou com sentenças provisórias, ou com sentenças definitivas, e que são utilizados em casos de urgência ou em que a sua utilidade é imprescindivel, os quais poderão ou não apreciar a questão de fundo.
No entanto, só alguns destes procedimentos de Apelo (référés), tem natureza cautelar, como sejam:
a- o référé suspension (apelo de suspensão) : que é um procedimento que permite a suspensão da execução de uma decisão administrativa, aplicando-se inclusivamente a decisões administrativas de conteudo negativo. Este procedimento, tem uma caracteristica singular em relação aos restantes, que é o seu caracter acessório face ao recurso de anulação
b- o référé liberté (apelo de liberdade) : que é um procedimento que permite ao Juiz ordenar com caracter provisório todas as providências (ordens de fazer ou não fazer), adequadas a assegurar ou proteger uma liberdade fundamental
c- o référé conservatoire (mésures utiles) (apelo de conservação) : que é um procedimento que permite ao Juiz do Apelo, em casos de urgência, ordenar todas as medidas consideradas úteis, sem que estas constituam um obstáculo á execução de uma decisão administrativa.

Refira-se tambem, que além, destes procedimentos, outros estão previstos e regulados no Código de Justiça Administrativa francês, mas que por lhes faltarem, a qualidade de processo de urgência, não foram por nós aqui considerados. São eles:
- o référé constat
- o référé instruction
- o référé provision

ii-condições de procedência da decisão
Quanto ás condições exigidas á procedência da decisão, há que destingui-las consoante os procedimentos. Assim, constituem requisitos de procedência da decisão para o :
a- référé suspension (apelo de suspensão):
- a verificação da urgência na suspensão do acto (urgência que se exige associada a um prejuizo grave, iminente ou actual);
- a verificação de uma dúvida séria sobre a legalidade da decisão administrativa.
No âmbito deste procedimento, a jurisprudência exige ainda, a verificação de um terceiro requisito: a ponderação dos interesses públicos e privados em conflito.

b- référé liberté (apelo de liberdade):
- a existência de uma situação de urgência;
- a violação grave e ilegal de uma liberdade fundamental pela Administração.

c- référé conservatoire (apelo de conservação):
- a existência de uma situação de urgência;
- a utilidade da medida;
- o não impedimento da execução de uma decisão administrativa.


2.1.4. – Itália
Antes da Reforma de 2000 (Lei nº 205 de 21 de Julho), o ordenamento juridico italiano, consagrava apenas uma única medida de Tutela Cautelar, que era a providência de suspensão da execução do acto administrativo. E só, na circunstância em que essa execução causasse danos graves e irreparáveis ao requerente. Diga-se no entanto, que a jurisprudência, desde os anos 90, aplicava esta providência a outras situações atipicas, fazendo uso de uma interpretação extensiva que lhes permitia alargar o âmbito dos actos.
Com a Reforma de 2000, consagrou-se em matéria de Tutela Cautelar, um principio de atipicidade, através do qual se permite ao Juiz decretar a providência cautelar, mais adequada ás circunstâncias de cada caso. O que denota, uma aproximação da Tutela Administrativa á Tutela Civilistica.

i-tipos de medidas cautelares previstas
A Lei dos Tribunais Administrativos Regionais, passou a conceder ao requerente cautelar, a faculdade de optar por uma de três medidas expressamente consagradas:
a- medida cautelar ao abrigo de uma cláusula de atipicidade;
b- medida provisória para situações de absoluta urgência;
c- medida de antecipação do juizo de mérito num procedimento cautelar.

ii-condições de procedência da decisão
Os requisitos de procedência da decisão da Tutela Cautelar, foram tambem consagradas de forma expressa pela Reforma de 2000. Assim, a Lei dos Tribunais Administrativos Regionais, passou a considerar, como condições de procedência, da Tutela Cautelar:
- o periculum in mora : No entanto, ha doutrina que se tem manifestado contra a formulação do conteúdo do periculum in mora, como prejuizo grave e irreparavel
- o fomus boni iuris.


2.2. – Sintese conclusiva
Destes sistemas de Direito Comparado, decorreram influências diversas para o nosso ordenamento juridico-administrativo.
Podemos afirmar, que com a Reforma do contencioso administrativo de 2004, o nosso sistema de Tutela Cautelar, se procurou aproximar de grande parte dos sistemas que aqui tratámos. Tentando, nessa aproximação colher os aspectos que lhe pareceram mais positivos de cada sistema, de forma a conformar o seu proprio conteúdo, com as melhores soluções.
Concretizando esta aproximação, constatamos que do ordenamento Alemão, o legislador português, sugou pouco ou nada, havendo inclusivé doutrina nacional (Maria Glória Garcia), que se congratule com o facto de não se ter seguido de perto, este sistema, pelos “embaraços” que o mesmo traz á prossecução do interesse público e aos interesses que coincidem com essa prossecução.
Do sistema Espanhol, importou-se o regime especial para protecção de direitos fundamentais, se bem que, á data, essa era já uma exigência constitucional.
Do sistema Francês, o legislador portugês desde sempre tem bebido muita da sua inspiração legislativa, podendo-se, todavia, afirmar que um dos ultimos grandes goles que terá tomado, foi durante a reforma de 1984/85.
Do sistema Italiano, resultaram no decorrer da Reforma de 2004, fortes influências, que foram consagradas de forma expressa na nossa Tutela Cautelar.
Estamos assim, em condições de afirmar, que dos diversos sistemas de Direito Comparado que lhe eram próximos e conhecidos, o legislador português, aquando da Reforma de 2004, teve a aptidão de seleccionar, de forma moderada, os aspectos que lhe pareceram mais positivos, para a reconstrução do seu próprio sistema de Tutela Cautelar.


B – As Raizes endógenas
Como já haviamos referido, a Tutela Cautelar, tem na sua génese, factores endogenos, aos quais recorre, para a construção e configuração da sua própria identidade, os quais denominamos de raizes endogenas.
Endogenas, porque o solo que as alimenta, é o nosso proprio ordenamento juridico, com as várias instituições que o compoem.
Este conjunto de criação interna, apresenta como principais intervenientes activos, a doutrina e a jurisprudência, que ao problematizarem e tomarem posição sobre as matérias controvertidas, no dominio da Tutela Cautelar, ajudam á sedimentação da solução para o caso concreto, mas tambem á delimitação da própria figura.
Convém, não esquecer que neste conjunto de intervenientes, é de inserir, um sujeito, que muitas vezes, acaba esquecido, que é o “publico”. Publico, no sentido, do sujeito que participa, em razão do dominio da materia, no debate e discussão pública, das questões controvertidas a regulamentar, como o que sucedeu com o projecto, submetido a tal troca de argumentos, e que veio a culminar na Reforma de 2004. Neste sentido, diga-se, por exemplo, que na determinação das condições de procedência das providências cautelares, o legislador reformista, não descurando, porém uma análise profunda dos sistemas de direito comparado, acabou por na redacção final da lei nº15/2002, aproveitar em grande parte, o sumo do debate a que o projecto, havia sido submetido.

1 – A evolução da Tutela Cautelar em Portugal
A Tutela Cautelar no contencioso administrativo português, apresenta-se hoje, como uma Tutela Judicial Efectiva. No entanto, este resultado, corresponde a uma soma de etapas, que a generalidade da doutrina considera longa e penosa.
Não descurando, que de permeio, existiram momentos não menos importantes, somos de opinião, que a evolução da Tutela Cautelar, no nosso ordenamento juridico, em particular no Contencioso Administrativo, é susceptivel de ser comprendida, através de uma sistematização, que a encerre em quatro grandes momentos.

O primeiro, desses momentos, remonta a 23 de Março de 1846. Data, da primeira medida cautelar decretada entre nós. Medida, proposta pelo Conselho de Estado á Rainha D. Maria II (casada com D.Fernado II), e que consistia, na suspensão da eficácia de uma postura da Camara Municipal do Porto, que ordenava a remoção, em quatro meses, de uma fábrica de velas de sebo. Medida, que D.Maria II deferiu, atendendo ao facto, que os danos poderiam ser irreparáveis para o requerente, e de que com tal suspensão, não haveria prejuizo para o interesse público.

O segundo momento, relevante, deste conjunto, surge com o Decreto-lei nº 31 095 de 31 de Dezembro de 1940, que no dizer de alguma doutrina da época, veio operar uma revisão significativa, no Código Administrativo de 1936.
Acompanhamos, aqui, a opinião de Marcello Caetano, quando refere que “o espírito e o sistema deste texto (D.L. nº 31 095 – Codigo de 1940), são os mesmos do Código de 1936”, porque as alterações embora significativas, ficaram-se pela alteração da redacção de artigos (836), o acrescento de matéria nova, e a supressão de algumas divisões na sistemática, mantendo a filosofia óriginária.
Este Código, denominado de 1940, veio á data, proceder a inumeras alterações na matéria administrativa, sendo que no âmbito da Tutela Cautelar, consagrou a possibilidade de a Administração requerer contra os particulares, todo o tipo de providências cautelares previstas, na lei processual civil. Ficando, residualmente reservado aos particulares, a suspensão da executoriedade do acto administrativo.
Embora tivessem ocorrido momentos, em que este estado de coisas, pudesse ser alterado, como a entrada em vigor da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo de 1956 ou com o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo de 1957, o facto, é que esta desigualdade de Tutela Cautelar, se manteve inalterada até á decada de 80.

O terceiro momento, ocorre com a publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e com a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), nos anos de 1984/85.
Na LPTA, consagrou-se, á data, uma vez mais, a suspensão da eficácia, com o estabelecimento de requisitos cumulativos, considerados isoladamente (art.76º). A Suspensão da Eficácia, era uma providência com efeito negativo, isto é, tinha por objectivo conservar, o status quo, existente antes da prática do acto administrativo. Mas agora, ao contrário do Código revisto de 1936, admitem-se outras providências, como: a intimação para consulta de documentos e passagem de certidões (art.82º); a intimação para um comportamento (art. 86º); e a produção de prova antecipada (art. 92º). Diga-se no entanto, que houve divergência na doutrina, quanto a considerar esta última, uma providência cautelar, apontando-se contra, a falta das caracteristicas da instrumentalidade e provisioriedade (Carla Amado Gomes).
Particularizando um pouco esta questão, a Intimação para um Comportamento (art. 86º), era uma providência, insusceptivel de ser requerida contra a Administração. Inicialmente, quando esta medida cautelar, foi acolhida na LPTA, quer a doutrina, quer a jurisprudência, estavam longe de advinhar o fracasso em que ela se iria traduzir. Porque, havia expectativa de este meio cautelar, se poder compatibilizar com a acção para o reconhecimento de direitos, numa prespectiva condenatória, o que permitiria a vinculação da Administração a um determinado comportamento. Todavia, o destino foi outro, e esta medida rapidamente foi convertida, de forma a que só pudesse ser aplicada contra particulares.
Diga-se também, que a doutrina de então, divergia quanto á qualificação desta medida como cautelar, sobretudo devido, á instrumentalidade deste meio. Como defensores do caracter de providência cautelar, surgiram Carlos Cadilha e Pedro Martinez, a quem se opunham, Vieira de Andrade e Isabel Fonseca.
A instrumentalidade da Intimação para um Comportamento, foi colocada em causa, por não ser configuravel, o tipo de meio processual principal, com que ela pudesse ser conjugada. Porque, o meio processual tipico, era então, o recurso contencioso de anulação e a intimação para um comportamento era subsidiária, face aquele (art. 86º nº 3 da LPTA), pelo que não podia ser utilizado conjuntamente.

Aproveitamos aqui, para desenvolver a Suspensão da Eficácia, pela importância e controvérsia, que a figura teve neste “momento” da evolução da Tutela Cautelar, que ora tratamos.
Além do catálogo dos meios cautelares ser reduzido, aquele que era considerado pela doutrina, o principal meio de Tutela Cautelar (a suspensão da eficácia), foi objecto de um tratamento legislativo e jurisprudêncial demasiado formalista, rigido e limitativo.
Os efeitos da suspensão da eficácia, eram de natureza negativa (ou conservatória na terminologia da doutrina maioritaria), o que não permitia responder á questão dos actos negativos, do silêncio e de toda a actuação material da Administração. Á data, esta situação, assumia contornos de gravidade, por força e no contexto, de uma Administração, cada vez mais reguladora.
O objecto da suspensão da eficácia, não compreendia no seu conteúdo, os actos administrativos negativos (puros), pelo que prejudicava as pretensões de caracter positivo deduzidas pelos particulares e negadas pela Administração. Alinhavam-se então, dois argumentos justificativos para o facto, que eram:
- o acto negativo, era estruturalmente susceptivel de produzir efeitos inovadores na esfera juridica do particular, pelo que não se justificava a sua suspensão;
- o princípio da separação de poderes, não permitia que se impussesse á Administração, obrigações de facere.
Não obstante, este estado desfavoravel, tentou-se, através do recurso a fórmulas rebuscadas, salvar os actos negativos com efeitos positivos (recusa de pedidos de manutenção de uma situação juridica).
Esta medida cautelar, não garantia uma tutela eficiente na ausência do acto administrativo. Pelo que, os particulares, ficavam desprotegidos, quer quanto a algumas actuações mais nocivas da Administração, como as omissões e as operações materiais, quer ao nivel da actividade regulamentar de eficácia imediata.
Havia ainda autores (Maria Fernanda Maças), que apontavam como aspectos negativos deste meio cautelar:
- a prevalência geral e abstracta, dada pelos tribunais ao interesse público ao nivel da ponderação. E a verdade, é que a grande parte das vezes, o interesse público, era considerado como o interesse defendido pela Administração.
- a concepção economicista, da apreciação do conceito de prejuizo de dificil reparação. O qual, era reconduzido á substituição da restauração natural, pela reparação pecuniária, e á afirmação da presunção de legalidade do acto administrativo (o qual onerava excessivamente os particulares em matéria de prova).

O quarto momento, dá-se com a entrada em vigor do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos a 1 de Janeiro de 2004.
No entanto, para bem compreender, este ultimo momento da evolução da Tutela Cautelar, no ordenamento juridico português, impõe-se como necessário, uma retrospecção, aos ultimos anos do periodo (momento) anterior.
Com a Reforma de 1984/85, foram mais os passos ao lado que os passos em frente, dados pelo legislador. A situação, ao nivel da Tutela Cautelar, estava catastrófica, face ao número de meios cautelares ao dispôr dos particulares.
No sentido de ultrapassar esta realidade, a doutrina, estimulada pela revisão constitucional de 1997, começou por defender que o principio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares (art.20º e 268º da CRP), impunha a aplicação de medidas cautelares não especificadas no âmbito do processo administrativo. Interpretação, que era complementada com o art. 1º da LPTA, do qual se retirava a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, e com o principio pro actione.
Esta interpretação, começou por ser timidamente acolhida, pela jurisprudência do STA, em 8 de Julho de 1997, num acordão desse mesmo tribunal. Provavelmente impulsionado, pela revisão constitucional desse mesmo ano, que consagrou, a protecção cautelar como uma das dimensões do principio da Tutela Judicial Efectiva dos direitos dos particulares.
Todavia, é no acórdão do TCA de 4 de Fevereiro de 1999, que se atinge um dos momentos mais marcantes do terceiro momento da evolução da Tutela Cautelar, ao decidir-se que o recurso contencioso de anulação podia articular-se com providências cautelares especificadas.
Este aumento de flexibilidade, apresenta-se já como uma transformação do padrão da rigidez e formalismo, caracteristicos do terceiro momento, e fazem advinhar, a chegada do modelo da plenitude, caracterizante do quarto momento evolutivo.
Nestes termos, acompanhamos a conclusão de Vasco Pereira da Silva, quando afirma que a reforma de 1984/85, “foi incompleta, ficando a meio caminho”.
Assim, o quarto momento, da nossa sistematização, inicia-se com a entrada em vigor do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, em Janeiro de 2004, data que assinala uma verdadeira revolução em matéria de Tutela Cautelar.
Com a reforma de 2004, passa-se do padrão do formalismo e rigidez procedimental, para um padrão de plenitude. E esta ideia de plenitude, no dizer de alguma doutrina, deriva de três niveis: a autonomia formal do sistema do CPTA face ao Direito Processual Civil; a multifuncionalidade das várias modalidades de Tutela (a diversidade de efeitos cautelares possiveis e as potencialidades ao nivel da cumulação de providências); e a cobertura total de todas as formas de actuação administrativa (acto, regulamento, controlo, operação material e actuação informal).
Quanto á plenitude no CPTA, diga-se o seguinte: o legislador reformista, fez assentar a Tutela de Urgência, na existência de processos urgentes principais e processos urgentes cautelares.
- Os processos urgentes principais, estão previstos no Titulo IV do CPTA, e são processos aptos a terminarem com o proferimento de sentenças que se pronunciam sobre o fundo da causa com caracter definitivo.
- Os processos urgentes cautelares, estão previstos no Titulo V do CPTA, e são os que visam assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito do processo principal. Processos que se caracterizam pela instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.
Para além destes procedimentos, ha ainda a possibilidade de recorrer a providências cautelares especificadas no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações. (Matéria que a doutrina juridico-administrativa, trata sob a denominação de Tutela Cautelar Não Especificada, a maioria das vezes).


2 – As alterações á Tutela Cautelar de 2004
O sistema anterior á Reforma de 2004, era um sistema inspiradamente de tipo francês, que em bom rigor, só comportava como medida cautelar, tipicamente administrativa, uma única providência, que era a “suspensão da eficácia do acto administrativo”.
A partir de 1 de Janeiro de 2004, este estado de coisas, transformou-se radicalmente, e passam a estar previstos no noéfito CPTA, quase todas, senão todas, as providências possiveis em Direito Administrativo.
Esta alteração, na morfologia da Tutela Cautelar é susceptivel de ser sintetizada, utilizando o critério da previsão expressa das providências cautelares. Assim temos:
a- as providências nominadas : que são aquelas que se encontram previstas de forma expressa no CPTA, e que são:
1. a proibição de executar um acto administrativo (arts. 129º e 130º)
2. a suspensão da eficácia de normas (art.130º)
3. as providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos (art. 132º)
4. prestação provisória de quantias em dinheiro (art. 135º)
5. produção antecipada de prova (art. 134º)
6. a suspensão da eficácia de um acto ou de uma norma (art. 112º nº2 alinea a)
7. a admissão provisória de particulares a concursos e exames (art. 112º nº 2 alinea b)
8. a atribuição provisória da disponibilidade de um bem (art. 112º nº 2 alinea c)
9. a autorização provisória dada a um interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta (art. 112º nº 2 alinead)
10. a regulação provisória de uma situação juridica (através da imposição á administração, do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a titulo de reparação provisória (art. 112º nº 2 alinea e)
11. a intimação para a adoptção ou abstenção de uma conduta por parte da administração ou de um particular, por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo (art. 112 nº2 alinea f)

b-as providência inominadas : que são as que não estão previstas de forma expressa no CPTA, mas ás quais se pode recorrer, por força da remissão do art. 112º nº2 do CPTA, o qual remete para as previstas no Código de Processo Civil.
- No entanto, a utilização destas providências tem de ser feito com ponderação, e sempre de modo justificado e necessáriamente adaptadas á realidade administrativa.
- O recurso a estas providências, exige uma especial adaptação, que se traduz em dois pressupostos cumulativos:
i- a providência tem de se revelar adequada á situação que se visa tratar no contencioso administrativo
ii- e a aplicação da providência, tem de ser feita com as necessárias adaptações (nunca poderá ser uma adaptação pura e simples.

Outro aspecto relevante, decorrente da Reforma de 2004, foi a consagração de forma expressa, no texto do CPTA, de duas modalidades básicas de providências cautelares, no dominio do contencioso administrativo (art. 112º nº1 do CPTA), que foram as providências antecipatórias e as conservatórias. Embora tenha consagrado estas modalidades, o legislador não avançou a definição das mesmas, pelo que acompanhamos aqui, a caracterização destas feita por Freitas do Amaral:
- Providências antecipatórias : “são as que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito.”;
- Providências conservatórias : “são as que se destinam a reter, na posse ou titularidade do particular, um direito a um bem que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder.”

Concluindo, aqui novamente, próximo de Freitas do Amaral, com a Reforma do Contencioso Administrativo de 2004, no âmbito da Tutela Cautelar, passámos, em bom rigor, de um contencioso de mera anulação, criado á semelhança do sistema de tipo francês, que tinha uma conexa possibilidade de suspensão do acto recorrido, para um contencioso de plena jurisdição, de inspiração italiana, o qual comporta uma ampla panóplia de providências cautelares. As quais podem atingir, inclusivé, a intimação da Administração a realizar prestações de fazer ou não fazer, de pagar, de dar, e até a condenação da Administração a não praticar um acto administrativo.



João Carlos Lopes Guerreiro (Nº 18494)








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