quarta-feira, 27 de maio de 2009

O contencioso pré-contratual - o trabalho escrito


Caríssimos,

Em seguida publicamos o trabalho que apresentámos em sede da aula de contencioso administrativo, no dia 8 de Maio de 2009. Em virtude de não ser possível publicar os slides de power point no blogue, optámos por colocar todo o trabalho escrito.

Esperamos que vos seja útil e proveitoso.

Cumprimentos, saudações académicas e cibernéticas,

Andreia Restolho, Kari Markkus e Sara Cristo e Silva


Introdução
A marcha da justiça não acompanha a rapidez da vida moderna. Nessa medida, o tempo judicial pode obstar à realização da justiça em tempo útil. Uma das formas de tentar contrariar essa disfunção temporal é acelerar o tempo judicial quando as circunstâncias da vida reclamam uma justiça rápida.

Origem do nome “contencioso pré-contratual”
Esta designação é deduzida da expressão “actos pré-contratuais”, correntemente utilizada para qualificar os actos administrativos praticados durante os procedimentos de formação de contratos, de direito público ou direito privado, que são celebrados pela administração pública.

Enquadramento Histórico - Antecedentes e Razão de ser
Pressionado pelas instâncias comunitárias, pouco satisfeitas com um sistema contencioso pré-contratual que, na prática, não tinha qualquer eficácia, pois as decisões judiciais relevantes apenas eram tomadas muito tempo depois de os contratos celebrados com base nos actos impugnados estarem a ser executados (e, sobretudo, nos reflexos que a situação tinha na concorrência entre empresas da União Europeia), o Governo publicou o DL nº134/98, de 15 de Maio, estabelecendo um contencioso dos actos pré-contratuais mais ágil.
Este diploma transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 89/665/CEE do Conselho de 21 de Dezembro e a Directiva nº 92/13/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro, mais conhecidas como “Directivas Recursos”, que procederam à harmonização dos procedimentos a adoptar em matéria de recursos contenciosos no âmbito da celebração de contratos públicos de obras e de fornecimentos.
Essa exigência de um novo regime foi consagrada com a Reforma de 2003, sendo que tal matéria é actualmente tratada nos artigos 100º a 103º do Código do Procedimento de Tribunais Administrativos (doravante designado por CPTA).
O contencioso dos actos administrativos inseridos num procedimento administrativo, visando a outorga de um contrato com a administração pública, foi o derradeiro aspecto do contencioso administrativo, objecto das preocupações do legislador antes da reforma de 2003, com a Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
O objectivo do novo regime, à semelhança do que já sucedia anteriormente, é procurar garantir que os particulares envolvidos em procedimentos de contratação pública, alegadamente lesados nos seus direitos e interesses legítimos por comportamentos das entidades públicas que conduzam tais procedimentos, tenham à sua disposição instrumentos processuais eficazes e céleres.
As adaptações ao regime do anterior Decreto-Lei nº 134/98 já tinham sido, em parte, antecipadas com a revisão efectuada com a Lei nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, as quais se traduzem, no essencial, na extensão do âmbito de aplicação do contencioso pré-contratual aos contratos de concessão de obras públicas, bem como, à impugnação das terminações contidas nos próprios documentos conformadores do concurso público (Art.º 100 nº1 e 2), no alargamento para um mês do prazo para a impugnação contenciosa, (Art.º 101º) - anteriormente o prazo era de 15 dias - e na inovadora introdução da possibilidade de o tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, em que as alegações finais são proferidas por forma oral e no termo das quais será imediatamente ditada a sentença. (Art.º 103º).

Processos Urgentes. O que são?
São mecanismos de resolução célere e flexível dos conflitos, assim designados por constituírem quatro formas especiais de processo, legalmente instituídas em razão da urgência na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa por forma mais célere do que a que resulta da tramitação normal.

Processos Urgentes. Quais são?
• Contencioso Eleitoral – art. 36ºnº1 a) e art.97º ao 99º CPTA;
• Contencioso pré-contratual – art. 36 nº1 b) e art.100º ao 103º CPTA;
• Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões – art. 36º nº1 c) e art. 104º ao 108º CPTA;
• Intimação para protecção de Direitos, Liberdades, Garantias – art. 36º nº1 d) e Art.109º ao 111º CPTA.

Impugnações urgentes - razão de ser
São processos nos quais está em causa, essencialmente, a verificação da legalidade de pronúncias da administração.
As sentenças, nestes processos, não se referem somente à invalidade dos actos impugnados, mas também ao pedido de condenação directa da administração.

Impugnações urgentes – finalidade
Este processo autónomo e urgente resulta da necessidade de salvaguardar simultaneamente dois interesses, tanto públicos como privados, que são:
- Promover a transparência e a concorrência, com a protecção adequada, aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas;
- Garantir a estabilidade dos contratos da administração, depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.

Razões justificativas para a existência de processos urgentes:
1. Estão em causa direitos fundamentais das pessoas - constituem direitos fundamentais de todos os cidadãos, o direito a um processo célere e prioritário, face ao disposto no art. 20º nº 5 da Lei Fundamental, da Constituição da República Portuguesa, bem como uma tutela jurisdicional dos direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses mesmos direitos ou interesses, assim como, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma.
Além de que é também garantida aos cidadãos administrados a determinação da prática de actos administrativos, legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas, atento o nº4 do art. 268º da CRP.
Ser garantida aos cidadãos administrados a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas (cfr. art. 268º nº4 C.R.P.) - o litígio surge no desenvolvimento de um percurso que ainda não terminou e que não pode ser interrompido por muito tempo – é o caso dos actos administrativos relativos à formação de certos contratos da administração pública.
Acresce que se corre o risco de a lenta marcha da justiça inutilizar a tutela judicial pretendida.

Enquadramento legislativo do Contencioso Administrativo pré-contratual
Na legislação anterior verificava-se uma identificação tendencial entre processos urgentes, meios processuais acessórios e tutela cautelar.
A presente lei distingue claramente entre processos urgentes – em que a causa da urgência não radica na intenção cautelar, mas na necessidade de, considerados outros factores, apressar a decisão judicial – e processos cautelares – em que está em causa a intenção de prevenir a ocorrência ou o agravamento dos danos, em resultado da previsível demora do processo judicial, principal razão da urgência.
Primeiro ponto a focar
O primeiro aspecto a sublinhar relativamente a este meio processual é que ele não se aplica a todos os contratos da administração pública: somente pode ser utilizado no âmbito de procedimentos administrativos tendentes à celebração de contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, cfr. artigo 100º nº1 do CPTA.
Além de que, também, não só os actos primários, mas os actos secundários, (exemplo: um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação) são impugnáveis através do referido meio processual.
Relativamente às impugnações urgentes, estas devem ser aplicadas, quer para o efeito da impugnação de actos administrativos de conteúdo positivo, quer para o efeito de reacção contra actos negativos ou situações de inércia administrativa dirigida à condenação da prática de actos devidos.
Em rigor, a necessidade de assegurar a existência de um meio processual expedito, com vista a salvaguardar o princípio da concorrência, no âmbito dos contratos públicos, tanto ocorre em relação a actos positivos, como a actos negativos, pelo que representaria um claro decréscimo de efectividade de tutela jurisdicional se o meio processual concebido para satisfazer o interesse da urgência no domínio do contencioso pré-contratual apenas abrangesse parte dos litígios pré-contratuais que, a esse nível, se podem suscitar.
A impugnação de actos administrativos não deve entender-se, somente, como um meio impugnatório, mas também como um meio de condenação à prática de actos administrativos.
Outra questão que se tem levantado é o da cumulação de pedidos, sendo que a lei permite (remissão para a acção especial) a cumulação do pedido de anulação do acto pré-contratual, com o pedido de condenação à sua substituição por outro acto que não reincida nas ilegalidades cometidas, de reconstituição e de anulação do contrato, entre outros, cfr. art. 47º CPTA.
Quanto à questão da cumulação de pedidos tem surgido alguma problemática, que levou à existência de doutrina divergente, sendo que:
Para alguns autores, como José Carlos Vieira de Andrade, não é admissível a cumulação do pedido de anulação com o pedido de condenação, de reconstituição e de anulação do contrato, entre outros.
Por outro lado, existem autores, como Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, que defendem que nada obsta a que seja pedida e concedida a condenação, ou seja, não afastam a possibilidade de cumulação de pedidos, sendo que a cumulação, num contexto de urgência pode justificar-se plenamente, seja nos casos em que exista omissão, indeferimento ou recusa ilegal de contratar (no caso da impugnação dos actos negativos); seja no caso de impugnação de actos positivos, de exclusão de propostas ou de concorrentes, pois também nesses casos pode haver interesse na condenação.
Para estes autores é possível cumular com o pedido de anulação do acto de conteúdo positivo, o pedido de condenação à substituição desse acto por outro que não incorra nas mesmas ilegalidades, em relação aos actos compreendidos no art. 100º nº1, já que tanto o art. 4º como o art. 5º, todos do CPTA, não estabelecem qualquer restrição a este propósito.
Deste modo, resulta, do já referido art. 5º nº1, que a circunstância de aos pedidos cumulados corresponderem outras formas de processo não obsta à cumulação de pedidos em processos urgentes, havendo, nessa altura, que seguir a forma da acção administrativa especial com as adaptações que se revelem necessárias, já que o artigo 102º CPTA estabelece desde logo que os processos do contencioso pré-contratual seguem a tramitação da acção administrativa especial com diversas adaptações que a tornaram mais célere.
Havendo cumulação de outros pedidos, ter-se-á que ponderar se a cumulação é de modo a justificar uma desaceleração do processo, fazendo com que o mesmo corra termos que, no todo ou em parte, se afastem do modelo mais célere que resulta do art.102º CPTA para se aproximarem do modelo normal a que obedecem os processos não urgentes.
Estes autores também defendem que a mera cumulação no processo impugnatório do pedido de condenação da administração à substituição do acto impugnado por outro que não reincida nos mesmos vícios não parece sequer justificar essa desaceleração, uma vez que as indagações a realizar, incidiram em qualquer caso sobre os mesmos factos para o efeito da aplicação das mesmas normas. No seguimento desta ideia, o mesmo dizem quanto à cumulação da impugnação do acto pré-contratual com a impugnação do próprio contrato, visto que o art. 102ºnº4 CPTA admite expressamente que possa ter lugar a título superveniente, sem associar a isso quaisquer consequências de tramitação.
No entanto, os mesmos defendem que a cumulação de um pedido de reparação de danos, na medida em que o justifique a necessidade de indagação sobre as consequências danosas da ilegalidade cometida, já poderá justificar a eventual desaceleração do processo.
Pelo supra exposto os autores concluem que caberá naturalmente ao juiz proceder à necessária ponderação a esse respeito, ouvidas as partes com a máxima brevidade, conforme prevê o art. 5º CPTA.
Segundo ponto a focar
Este meio processual urgente aplica-se não só aos actos administrativos relativos à formação dos contratos em sentido próprio – a exclusão de um concorrente, a adjudicação do contrato, etc. – mas também ao programa do concurso, ao caderno de encargos e a qualquer outro documento conformador do procedimento de formação daqueles contratos, designadamente com fundamento na “ilegalidade” das especificações técnicas, económicas ou financeiras, cfr. art. 100º nº2 CPTA.
Terceiro ponto a focar
O contencioso pré-contratual aplica-se aos contratos celebrados pelos organismos de direito público, na acepção lata escolhida pelo Direito Comunitário, nos quais se incluem não só o Estado, as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais, os Institutos Públicos e as Associações Públicas, como todas aquelas pessoas colectivas de natureza não empresarial que, independentemente da sua qualificação oficial, obedeçam a certos requisitos objectivos, como:
• sejam financiadas maioritariamente pelo Estado ou por outros Entes Públicos;
• se encontrem sujeitas a controlo de gestão por parte destes últimos;
• ou cujos órgãos de direcção ou fiscalização sejam, em mais de metade, designados por essas mesmas entidades públicas.
No que respeita aos contratos de empreitada, de prestação de serviços e de fornecimento nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, encontram-se igualmente abrangidas pelo contencioso pré-contratual as entidades que, operando nessas áreas, se caracterizem como organismos de direito público ou como empresas públicas, entendendo-se como tais quaisquer empresas em relação às quais os poderes públicos possam exercer directa ou indirectamente, uma influência dominante, em virtude da propriedade, da participação financeira e das normas que são aplicáveis.

Competência
A referência do nº3 do art. 100º a sujeitos privados, interpretada em conjugação com a do art. 4º nº1 e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante designado por ETAF), reforça o entendimento que os Tribunais Administrativos são os competentes para conhecer da impugnação de actos pré-contratuais praticados por pessoas colectivas privadas, quando tais entidades se encontrem sujeitas a uma disciplina procedimental de direito público.
Quando o autor do acto impugnado seja um dos incluídos na enumeração da alínea a) do nº1 do art. 24º do ETAF, o tribunal competente é o Supremo Tribunal Administrativo; sendo que os Tribunais Administrativos de Círculo são competentes nos restantes casos, cfr. art.º 44º ETAF.

Legitimidade
A legitimidade activa pertence a quem se sentir lesado pelo acto administrativo pré-contratual (art.º 9º, com remissão para o art.º 55. n.º1 a), art.º 73º n.º2, por indicação expressa do art.º 100º n.º1 CPTA)
A legitimidade passiva pertence à entidade pública ou ao Ministério, no âmbito do qual tiver sido praticado o acto (art.º 10º, por remissão do art.º 100º n.º3 CPTA)
Nestes processos existem quase sempre procedimentos administrativos de concorrência.
Logo, o pedido deve ser dirigido também contra os outros envolvidos no procedimento pré-contratual, ou seja, contra pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor, cfr. dispõe o art.º 10º do CPTA.

Oportunidade
O prazo para a utilização deste meio processual é de um mês, contado da notificação do acto aos interessados ou, se esta não existir, do seu conhecimento, nos termos do art. 101º do CPTA.
No caso de uma impugnação administrativa necessária, no caso de omissão de uma decisão administrativa, sobre essa impugnação, o prazo é igual a um mês, a partir do termo do prazo legal para a decisão.
Refira-se ainda que os prazos processuais correm em férias judiciais, cfr. art.º 36º n.º2 CPTA e que, no caso dos recursos, o prazo de interposição é de 15 dias e estes sobem imediatamente, cfr. art.º 147º CPTA.
O prazo de um mês previsto no art.º 101º CPTA entra em disputa com os prazos gerais de impugnação de actos e normas (art.º 58º n.º2 CPTA), que é de um ano para o Ministério Público e de 3 meses para qualquer interessado.
A questão que tem levantado mais problemática quanto à aplicação dos prazos é de saber se esse prazo previsto em sede do contencioso pré-contratual se trata de um meio processual de utilização necessário ou de um meio processual alternativo, cuja não utilização não impede a impugnação contenciosa através da forma comum, prevista nos art.ºs 37º e seguintes do CPTA.
Alguma doutrina entende que, dado o carácter necessário e urgente do contencioso pré-contratual, o prazo de impugnação previsto no art.º 101º do CPTA prevalece sobre os demais, incluindo a inexistência de prazo para impugnação de normas, sendo porém omissa quanto à impugnabilidade a todo o tempo dos actos nulos.
Relativamente a alguma jurisprudência, a mesma tem entendido que o prazo previsto no art.º 101º CPTA não é imperativo e não se impõe aos demais, designadamente à impugnação dos actos nulos, cfr. art.º 58º n.º1 do CPTA, admitindo assim a impugnação sucessiva através do meio processual comum, quando o acto pré-contratual se encontre viciado de nulidade ou inexistência jurídica. Porém, outra parte da jurisprudência tem entendido que o único meio processual admissível é o previsto no contencioso pré-contratual, independentemente do tipo de vícios que possam afectar o acto impugnado. No entanto, recentemente, tem existido uma inclinação da jurisprudência em considerar que o art.º 101º do referido diploma consagra um regime especial que não contempla qualquer excepção e, como tal, o prazo aí previsto torna-se aplicável quer a actos meramente anuláveis, quer a actos nulos.
Outra celeuma que tem surgido quanto à especificidade do contencioso pré-contratual é de que esta não colide com o regime geral da invalidade dos actos administrativos, como é previsto nos art.ºs 133º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (doravante designado por CPA). Ora, os actos nulos, quando proferidos no procedimento pré-contratual, mantêm a sua característica de inaptidão intrínseca para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, com as consequências que lhe são próprias, designadamente no plano da invocabilidade a todo o tempo, por qualquer interessado, de acordo com o previsto no art.º 134º n.º 2 do CPA. No entanto, decorre, do n.º3 do mesmo artigo, que a declaração de nulidade não prejudica a salvaguarda das situações de facto criadas ao abrigo dos actos nulos por simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito, acabando por se concluir nesse sentido que o prazo previsto no art.º 101º do CPTA não se aplica às situações de nulidade ou de inexistência, em que a impugnação não está sujeita a prazo. Ainda quanto ao regime da anulabilidade e dos actos anuláveis há que referir o disposto nos art.ºs 135º, 136º com remissão para o artigo 141º, todos do CPTA, que nos diz que o acto administrativo anulável, cujos actos anuláveis são aqueles que ofendam princípios ou normas jurídicas, são susceptíveis de impugnação perante os tribunais, sendo que tal acto administrativo anulável pode ser revogado com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. No entanto, não podemos deixar de focar que prevê o n.º 2 do art.º 141º daquele diploma que, caso existam diferentes prazos para o recurso contencioso, deverá atender-se ao prazo que terminar em último lugar.
É nosso entendimento que o pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto terá de ser naturalmente deduzido na causa principal a instaurar nos termos do artº 100º do CPTA. Com efeito, a finalidade do regime dos arts. 100º a 103º do mesmo diploma é fundamentalmente a de salvaguardar os interesses públicos prosseguidos pelos contratos para cuja celebração tendem os procedimentos no decurso dos quais os actos impugnados foram praticados, bem como os interesses privados dos interessados nesse procedimento, em face da maior demora que decorreria da utilização de um meio processual mais complexo, sem carácter urgente, e por estas razões sujeito a prazos mais longos. Assim, o meio processual dos arts 100º a 103º do CPTA é de utilização necessária e não uma alternativa à acção administrativa especial.
Já no que concerne ao regime relativo ao prazo de impugnação há que fazer a conjugação das disposições gerais dos art.ºs 59º e 60º do CPTA, a que são subsidiariamente aplicáveis o art.º 100º n.º1 do mesmo diploma, havendo assim lugar à suspensão do prazo de impugnação por efeito da utilização dos meios de impugnação administrativa, previstos no art.º 59º n.º1 daquele diploma, bem como à interrupção desse prazo no caso de um interessado requerer o suprimento de notificação ou publicação deficientes, assim como à aplicação do regime de inoponibilidade da notificação ou da publicação, de acordo com o condicionalismo previsto no art.º 60º n.ºs 1 e 2 daquele texto legal. Relativamente ao que se refere no descrito no art.º 69º n.º3 do CPTA, a suspensão do prazo opera em relação aos actos de indeferimento e não já às situações de inércia, pelo que, independentemente da interposição de impugnação administrativa, o prazo para a reacção jurisdicional conta-se desde o decurso do prazo fixado na lei para a decisão de 1º grau.

Tramitação
Estes pedidos de impugnação seguem os trâmites do modelo da acção administrativa especial (cfr. art.º 46º e segs. CPTA), com algumas particularidades decorrentes da natureza urgente do processo, cfr. art.º 102º nº1 do CPTA, tais como:
a) A restrição da faculdade de alegar, aos casos em que haja sido produzida ou requerida prova juntamente com a contestação, conforme prevê o art.º 102º nº2 CPTA;
b) O encurtamento de vários prazos, conforme prevê o art.º 102º nº3 CPTA;
c) A faculdade de o juiz optar, por iniciativa própria ou a requerimento de qualquer das partes, pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, na qual, para mais rápida solução do caso, as alegações das partes serão orais, sendo a sentença ditada imediatamente após o termo da audiência, conforme prevê o art. 103º do CPTA;
d) A admissibilidade da modificação objectiva da instância pode ocorrer em dois casos distintos:
I – O primeiro corresponde à ampliação do objecto da impugnação ao próprio contrato, na medida em que esta pode ser a única forma de conceder tutela judicial adequada e suficiente ao autor, atento o disposto no art. 102º nº4 do CPTA com remissão para o art.º 63º, ambos do CPTA;
II – O segundo caso ocorre quando, no decurso do processo judicial o tribunal verificar que existe uma impossibilidade absoluta de satisfazer os interesses do autor, atento o disposto no art.º 102º nº5 com remissão para art.º 45º, ambos do CPTA.
Exemplo:
O autor havia sido preterido ilegalmente na adjudicação do contrato, mas a prestação do contraente privado consistia no fornecimento de uma certa quantidade de um bem consumível, que já foi fornecido pelo adjudicatário e consumido.
Numa situação como a supra descrita, o Tribunal, colocado perante a impossibilidade absoluta de satisfazer o pedido do autor, como o direito impunha, transforma o pedido de impugnação num pedido de indemnização pelos prejuízos causados ao autor em resultado do acto impugnado, tentando que as partes cheguem a acordo sobre o montante da indemnização, atento o disposto no art.º 102º nº5 CPTA.
No caso de tal acordo não ser obtido, caberá ao Tribunal fixar o montante de indemnização, atento o disposto no art.º 45º nºs 3 e 4 CPTA.

Conclusão
Existe actualmente uma tendência comunitária para a unidade/unificação do direito da contratação administrativa, que é visível também a nível nacional, no que se refere aos aspectos substantivos como aos do procedimento ou de processo, que se denotou com a entrada em vigor da Lei n.º4-A/2003.
O que anteriormente se entendia como um poder de supremacia da Administração Pública relativamente aos contratos por esta celebrados, no sentido de esta ser dotada de poderes especiais no domínio dos contratos administrativos, que exigiam um regime jurídico específico, contrapunha-se aos contratos de direito privado da Administração, onde o regime jurídico era semelhante ao de qualquer outro contrato, sendo que, em caso de litígio, tal era da competência dos tribunais comuns, em oposição ao que sucedia nos contratos administrativos em que, em caso de litígio, a competência cabia aos tribunais administrativos.
Assim, foi consagrada a competência da jurisdição administrativa para todos os contratos celebrados no âmbito da função administrativa, para além de ter sido instituído um contencioso de plena jurisdição, tanto em termos de meios principais, como de providências cautelares, assim como um processo urgente específico do contencioso pré-contratual.
Deste modo, obtém-se a resolução directa das situações controvertidas relativas à legalidade procedimental dos contratos em momento anterior à da sua celebração, evitando-se assim impugnações a posteriori baseadas nesses fundamentos.
Logo, o contencioso pré-contratual não tinha qualquer autonomia processual, sendo a tutela jurisdicional assegurada pelo recurso contencioso de anulação e pela impugnação de normas.
Com a reforma de 2003, o contencioso pré-contratual ganhou autonomia própria no CPTA, sendo o único procedimento administrativo com consagração expressa na lei adjectiva.
Os processos urgentes impugnatórios são uma inovação no novo contencioso administrativo, na medida em que são processos que visam a obtenção de uma decisão de mérito, num curto espaço de tempo.
O contencioso pré – contratual, com traços comuns à figura do referé précontratuel do contencioso francês, sendo um processo urgente, regulado nos art.ºs 100º a 103º do CPTA, consagra um contencioso de plena jurisdição, respeitante aos litígios emergentes das relações contratuais administrativas especificadas em sede desses artigos.
A efectividade da tutela exige providências urgentes, que não pertencem ao domínio da tutela cautelar, pois só podem ser proferidas num processo de fundo, claramente dirigido a proporcionar uma tutela final, que impenda sobre a relação jurídico-administrativa e com carácter de urgência, dada a celeridade com que se impõe alcançar a justa composição de interesses públicos e privados envolvidos.

Crítica
O legislador, em 2003, deveria ter ido mais além na reforma efectuada com a entrada em vigor da Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pois o regime do contencioso pré-contratual deveria ter sido alargado a outros actos e contratos celebrados no âmbito da função administrativa e não se ter restringido somente aos que se encontram expressamente consagrados no art.º 100º n.º1 CPTA, de forma a obter na sua plenitude uma acção administrativa mais célere e eficaz, como por exemplo relativamente aos actos respeitantes à concessão da exploração dos jogos de fortuna e azar. Anteriormente fazia-se esta crítica também relativamente à concessão de serviços públicos e concessões de exploração de uso privativo do domínio público, tendo o legislador resolvido este problema com a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).
Assim a crítica actual a fazer é de que o regime previsto no art.º 100º a 103º do CPTA deveria ser alargado à generalidade dos contratos para que todos possam beneficiar de celeridade e eficácia.

Acórdãos relevantes
• Acórdão do STA (Pleno) de 12/12/2006 no Processo 528/06
-problemática:
Urgência e invalidade dos actos administrativos pré-contratuais.
• Acórdão do STA de 14/12/2005 no Processo 905/05
-problemática:
Conduta incompatível do acto administrativo de anulação do procedimento contratual com a subsistência do acto de adjudicação.
• Acórdão proferido pela 1ª secção do S.T.A. em 03/09/2003 no Processo 1392/03
-problemática:
Aplicabilidade do contencioso Administrativo pré-contratual como processo urgente.

Bibliografia
-Almeida, Mário Aroso de/ Cadilha, Carlos, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007.
-Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007.
-Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (lições), Almedina, 2007.
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Almedina, 2005.
-Fonseca, Isabel Celeste M., Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura), Lex, 2004.
-Dias, Paulo Linhares, O Contencioso Pré-Contratual no Código de Processo nos Tribunais Administrativos in Revista da Ordem dos Advogados, Setembro 2007, Ano 67.
-Gonçalves, Pedro, Contencioso Administrativo Pré-Contratual, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 44, Março/Abril 2004.
-Gonçalves, Pedro, Avaliação do Regime Jurídico do Contencioso Pré-Contratual Urgente, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 62, Março/Abril 2007.
-Matos, André Salgado de, Contencioso Pré-Contratual Urgente e Invalidade dos Actos Administrativos Pré-Contratuais, Cadernos de Justiça Administrativa n.º 62, Março/Abril 2007.
-Nunes, Mesquita Adolfo, A Urgência no Contencioso Pré-Contratual, in Tese, constante do Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 2008.
-Nunes, Mesquita Adolfo, O Processo Urgente de Contencioso Pré-Contratual no Novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, in Tese, constante do Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003.
-Seringa, Maria Manuela Justino, Âmbito do Contencioso Administrativo Pré-Contratual, in Tese, constante do Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, 2007.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A Tutela Cautelar

Olá a todos,
O trabalho sobre as providências cautelares, é hoje dia 21 de Maio, apresentado, todavia, face ao reduzido tempo para exposição, que cabe a cada um dos membros do grupo, não é possivel apresentar a totalidade do trabalho. Assim, optamos por deixar aqui no blogue, o resultado escrito, do respectivo trabalho, de modo que não se perca, a dedicação ao mesmo...
O grupo é constituido por quatro elementos, tendo cada um trabalhado uma parte da respectiva matéria. A parte que agora publico, respeita á minha própria, e abarca, a parte histórica da figura, o tratamento que a mesma teve em algum do Direito Comparado, e termina com a evolução da Tutela Cautelar no nosso ordenamento.
Boas "ondas" a todos!
João Guerreiro



Tema – A Tutela Cautelar Administrativa


“Raizame da Tutela Cautelar Administrativa” (Sub-título)

I – Noção de Tutela Cautelar Administrativa

II – O Raizame Tutelar Cautelar Administrativo:

A – As Raizes exógenas:
1 – A Raiz Comunitária:
1.1. – A Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia
1.2. – A Tutela Cautelar in concreto fundada no Direito Comunitário (casos em que houve recurso á tutela cautelar fundada directamente no direito comunitário)
1.3. – Sintese conclusiva da influência do Direito Comunitário

2 – A Raiz do Direito Comparado:
2.1. – A Tutela Cautelar no Direito Comparado.
2.1.1. – Alemanha
2.1.2. – Espanha
2.1.3. – França
2.1.4. – Itália
2.2. – Sintese conclusiva

B – As Raizes endógenas
1 – A evolução da Tutela Cautelar em Portugal
2 – As alterações á Tutela Cautelar de 2004




I – Noção de Tutela Cautelar Administrativa
O conceito de Tutela Cautelar está envolto, num conjunto de dificuldades, que vão desde a compreensão dos tipos de processos e das técnicas que os mesmos compreendem até á sua própria sistematização.

A dificuldade de chegar ao conceito de “Tutela Cautelar”, resulta quer da variação terminológica utilizada nos vários sistemas processuais influenciadores, quer da própria natureza do instituto. Isto é, a dificuldade de conceptualização, assenta em razões extrinsecas á figura, como seja, a apontada variação terminológica utilizada nos vários ordenamentos juridicos, mas tambem em, razões intrínsecas, como seja a própria natureza “complexa” da figura.

A aproximação ao conceito exige a análise, do tratamento doutrinário que a figura tem tido ao longo do tempo, nos vários ordenamentos juridicos. Sendo neste ãmbito possivel, sistematizar o conceito de Tutela Cautelar sob três prespectivas:
a- uma perspectiva redutora
b- uma perspectiva intermédia
c- uma perspectiva ampla

a- Numa perspectiva redutora, em que a Tutela Cautelar era entendida como integrando apenas os mecanismos processuais de garantia da execução coactiva de uma sentença condenatória.
Neste sentido, eram cautelares as medidas de garantia, destinadas a evitar a dissipação do património do devedor e a assegurar a garantia patrimonial do credor. Podemos apontar, como exemplos concretos desta cautela:
-o caso do arresto ou arrolamento, no sistema português;
-o caso da saisie conservatoire e da saisie revendication, no sistema francês;
-o caso do séquestre, no sistema suiço;
-o caso do sequestro conservativo, no sistema italiano;
-o caso do embargo preventivo de bienes, no sistema espanhol.

Esta é uma perspectiva, que actualmente não tem muitos seguidores, porque:
- reduz a Tutela Cautelar á sua função de assegurar a execução futura de uma sentença;
- reduz o processo cautelar, a acessório ou até mesmo, a um mero “anexo” do processo executivo;
- qualifica como não cautelar e simultaneamente como sumário, a medida que regula provisóriamente uma situação e que antecipa os efeitos da decisão de um processo principal, permitindo a satisfação da pretensão daquele a favor de quem foi ordenada.

b- Numa perspectiva intermédia, a Tutela Cautelar é identificada como um tipo de Tutela pré-ordenada para assegurar o efeito útil da sentença principal (declarativo ou executivo) de um processo principal, seja pela função de conservar, seja de antecipar de forma reversivel para o futuro a decisão de mérito.
Em conformidade com esta perspectiva, se para se combater os dois tipos de periculum in mora do processo principal, houver necessidade de emitir uma medida com estrutura antecipatória, esta ainda terá natureza cautelar, desde que nela se identifique a caracteristica da instrumentalidade.

c- Numa perspectiva ampla, a Tutela Cautelar visa assegurar a efectividade da decisão que põe fim a um processo.
Pelo que, a Tutela Cautelar compreenderá:
-um conjunto de processos que têem como função garantir a execução coactiva de uma sentença favoravel ao credor;
-o tipo de processos que têem como função assegurar o estado da situação anterior ao evento controvertido (status quo ante);
-o tipo de processos que têem como função decidir interinamente o objecto imediato da causa principal.

Este modo de perspectivar a conceptualização da Tutela Cautelar, não delimita o âmbito da mesma, segundo o seu perfil teleológico e estrutural e tende a não distinguir a Tutela Cautelar de outras formas Tutelares, como a provisória, a antecipatória e a sumária.


Do exposto, resulta que, a melhor aproximação ao conceito e essência da Tutela Cautelar será aquele, que configurar esta, como um tipo de tutela jurisdicional, em que a distinção far-se-á fundamentalmente, atendendo ao seu perfil teleológico. Podemos alinhar na doutrina vários autores, que comumgam desta posição, a titulo meramente exemplificativo:
- Calamandrei: “a qualidade distintiva está na relação de instrumentalidade que liga fatalmente a providência cautelar á providência principal cujo sucesso efectivo se encontra facilitado e assegurado antecipadamente por actuação do primeiro.”
- José Alberto dos Reis: “o processo cautelar só pode constituir um tipo específico se o encaramos através do prisma funcional...”
- Montesano: “o procedimento cautelar... tem o fim de assegurar determinados efeitos: conseguir que a situação presente seja transposta para uma vindora decisão, antes que seja tarde.”

A Tutela Cautelar, têm como fim assegurar a utilidade e a efectividade da Tutela Jurisdicional que é realizada num processo declarativo ou executivo, do qual está dependente, ainda que dele mantenha uma autonomia relativa, garantindo a integridade da questão controvertida, que é objecto desse processo (declarativo ou executivo) ou regulando-o provisóriamente até á sua composição definitiva.


II – O Raizame Tutelar Cautelar Administrativo:
Não sendo a “Tutela Cautelar”, uma criação originária do Legislador português, uma tentativa de compreensão da figura, impõe como necessário uma abordagem ao objecto e sujeitos influenciadores.
É possivel uma sistematização das influências em dois conjuntos principais:
- um conjunto, de criação exterior ao nosso ordenamento juridico, mas do qual ele se alimenta, umas vezes mais famintamente que outras, o qual denominamos de “raizes exógenas”. São dois os tipos de solos que contribuem para esta criação: o solo comunitário e o dos outros ordenamentos juridicos de cuja permeabilidade o nosso se aproveita;
- outro conjunto, de criação interna do nosso próprio ordenamento juridico, cuja endogenia provêm do labor doutrinario e jurisprudencial das nossas próprias instituições ao longo do tempo. Conjunto que designamos de “raizes endogenas”.


A – As Raizes exógenas:
Como fundamentos, de criação externa aptos a influenciar a Tutela Cautelar no âmbito do nosso ordenamento juridico, é de apontar o tratamento que a figura teve no Direito Comunitário e no Direito Comparado. Estas raizes exógenas, além de alimentarem o espirito doutrinário, foram num modo mediato fonte da própria legiferação nacional.


1 – A Raiz Comunitária:
A influência do Direito Comunitário, no tratamento e consolidação dogmático da figura no nosso ordenamento juridico, foi assaz significativa, não só pela necessidade de harmonização dos ordenamentos juridicos no espaço europeu, como pela aplicabilidade de providências cautelares directamente fundadas no Direito Comunitário, nos nossos tribunais.
Esta é uma raiz muito forte, da Tutela Cautelar no nosso ordenamento juridico, pelo que se impõe na sua análise, uma dupla explicitação dos fundamentos:
- por um lado, a compreensão da Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia;
- e por outro lado, a relevância da aplicação, no caso concreto, pelos Tribunais nacionais, da Tutela Cautelar directamente fundada no Direito Comunitário.
Assim,


1.1. – A Tutela Cautelar no Tratado da Comunidade Europeia
O contencioso comunitário, em matéria de Tutela Cautelar, consagra a existência e regulamenta, dois tipos de providências cautelares:
a-a suspensão da eficácia (art. 242º do TCE);
b-as providências cautelares não especificadas (inominadas) (art. 243º do TCE)

a-a suspensão da eficácia
A suspensão da eficácia, é uma medida que o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia pode ordenar, e que se traduz na suspensão da execução de um acto préviamente impugnado, se o mesmo entender que as circunstâncias o exigem (art.242º do TJCE). Esta medida, apresenta-se com muita relevância, neste dominio, porque os recursos interpostos para o TJCE, não têm efeito suspensivo.
A Tutela Cautelar comunitária apresenta caracteristicas comuns ás da generalidade dos ordenamentos juridicos dos Estados Membros, como sejam as caracteristicas da instrumentalidade e provisioriedade (veja-se a exigência da prévia impugnação de um acto em sede de recurso de anulação- art.230º do TCE, ou em sede de processo principal- artº 236º do TCE). Todavia, é possivel apontar uma singularidade ao nivel desta caracterização, que é o facto de a providência cautelar não poder ser requerida como preliminar do respectivo processo principal.
A regulamentação da suspensão da eficácia no contencioso comunitário é regulada nos arts. 83º e segs do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e nos arts. 104º e segs do Regulamento do Processo do Tribunal de Primeira Instância. E são nestas disposições que se estabelecem os denominados requisitos de decretação da suspensão da eficácia. Requisitos estes susceptiveis de serem sistematizados do seguinte modo:
a.1. Requisitos especificos:
- ser o tribunal ao qual se requer a suspensão da eficácia o tribunal competente para o processo principal e ser o meio principal utilizado pelo requerente o meio adequado á impugnação daquele acto concreto.
- já ter o requerente impugnado, á data da suspensão, o acto perante o tribunal comunitário competente
- ser a suspensão necessária e urgente para se evitar para o requerente prejuizos graves e irreparaveis que lhe advirão da imediata execução do acto (periculum in mora)
- existir aparência de bom direito (fumus boni iuris)
- ser a suspensão de decretar após a adequada ponderação de interesses da comunidade em face do interesse do requerente na supensão da eficácia do acto (critério da ponderação de interesses)
a.2. Requisitos genéricos:
- legitimidade: em conformidade com o art.83º nº 2 do RPTJ e art. 104º nº2 do RPTPI, tem legitimidade para requerer a suspensão da eficácia qualquer pessoa que seja parte no processo principal pendente no tribunal
- tempestividade: a tempestividade encerra duas permissas, a suspensão não pode ser requerida antes de dar entrada o processo principal, nem depois de o processo já ter sido julgado.

b-as providências cautelares não especificadas (inominadas)
É através da Tutela Cautelar Inominada que se permite o decretamento de todas as providências, de caracter positivo ou negativo, que sejam adequadas a tutelar situações juridicas em que um aparente direito se encontre em perigo.
As providências cautelares não especificadas são tambem instrumentais face aos correspondentes processos principais. Além de que só podem ser requeridos na pendência de um processo principal. É por este facto, que a jurisprudência comunitária tem entendido que a providência cautelar não pode ter efeitos irreversiveis sobre a situação juridica, procurando desse modo evitar a inutilização da sentença no processo principal.
Atentando nos meios processuais principais, que o contencioso comunitário dispõe, é possivel configurar como processos principais, compativeis com as providências cautelares, a:
- acção declarativa de omissão (art.232 do TCE)
- acção de incumprimento instaurada contra um Estado Membro (art. 228º nº2 do TCE)
- acção de efectivação da responsabilidade civil extracontratual da comunidade (art.228º do TCE)
Quanto aos requisitos de decretação, são os mesmos da suspensão da eficácia, devidamente adaptados a esta realidade.
Refira-se por ultimo, que é no âmbito das providências cautelares inominadas, que os poderes do Juiz se expandem, isto porque neste dominio ele não está limitado pela providência requerida, e pode decretar uma providência diferente da peticionada.


A Jurisprudência do TJCE, tem entendido que, no âmbito da aplicação da suspensão de eficácia e das providências cautelares inominadas, a tutela inominada é subsidiária face á suspensão da eficácia, pelo que só actuará quando esta ultima se revelar inadequada ou insuficiente.

Estas providências (inominadas e suspensão da eficácia), só remotamente produzem efeitos juridicos no ordenamento juridico-administrativo dos Estados Membros. No entanto, servirão sempre de modelo a outras providências cautelares que se destinem a tutelar a legalidade comunitária, embora não sejam decretadas pelos orgãos jurisdicionais dos Estados Membros.


1.2. – A Tutela Cautelar in concreto fundada no Direito Comunitário (casos em que houve recurso á tutela cautelar fundada directamente no direito comunitário)
É no âmbito das providências cautelares fundadas no Direito Comunitário, mas decretadas pelos tribunais nacionais, que se verificou uma influência determinante do Direito Comunitário, na mudança do padrão da Tutela Cautelar, em quase todos os Estados Membros.
Esta influência, radica na invocação perante os tribunais nacionais, de situações juridicas e direitos baseados no próprio Direito Comunitário.
No entanto, esta invocação levantava uma questão que perdurou controversa, durante certo tempo, que era a de saber, se os tribunais nacionais estavam habilitados a decretar providências cautelares de modo a evitar ou fazer cessar a violação do Direito Comunitário, e no caso de se entender que sim, nova questão se levantava, que era a de saber por que ordenamento juridico se regeria a decretação da providência, se pelo nacional, se pelo comunitário.
Actualmente, podemos afirmar, a existência de consenso, quanto a esta questão. Isto porque, é jurisprudência pacífica do TJCE, que o princípio da efectividade do Direito Comunitário, exige que os tribunais nacionais actuem na defesa da ordem juridica comunitária, como se de verdadeiros tribunais comunitários se tratassem.
Podemos hoje afirmar, que o percurso Jurisprudencial do contencioso comunitário, em particular do Acórdão Factortame ao Acórdão Antonissen, estabeleceu um trilho interpretativo, no sentido da subjectivação da Tutela Cautelar e da protecção efectiva dos direitos dos particulares.
Esta linha Jurisprudencial, no dominio do contencioso comunitário, teve outro relevante aspecto positivo, que foi aumentar a pressão sobre os Estados Membros, com ordenamentos juridicos desprovidos de uma Tutela Cautelar plena e eficaz (como era o nosso caso até a entrada em vigor do CPTA), no sentido de se adaptarem e legislarem nessa matéria.
Diga-se ao propósito, que contemporaneamente a esse periodo, e nesses ordenamentos “sobre pressão”, se assitiu então a um fenómeno de interessante esquizofrenia, por parte dos sujeitos decisores, da concessão da Tutela Cautelar. Acontecia que, a reacção do Juiz á concessão da Tutela Cautelar, variava consoante esta, tratasse da tutela de direitos com origem no Direito Comunitário, circunstância em que ele dispunha de amplos poderes, ou se tratasse da tutela de direitos com origem no Direito Interno, caso em que os poderes eram manifestamente mais restritos (quer quanto á amplitude das providências cautelares admissiveis, quer quanto ao preenchimento dos requisitos para a sua decretação). (Foi uma situação bastante comum no Reino Unido)

1.3. – Sintese conclusiva da influência do Direito Comunitário
Do exposto, resulta que o Direito Comunitário, teve um papel impulsionador ao nivel do incremento da Tutela Cautelar, na generalidade dos Estados Membros. Sobretudo, pela aplicação dos modelos comunitários de proteção cautelar, que provocaram um efeito de choque, indutor de uma onda reformadora que acabou por atingir o nosso ordenamento juridico.
Refira-se no entanto, que contemporaneamente, ha quem entenda que o Direito Comunitário, está neste dominio obsoleto, por força, dessa onda reformadora, que varreu a generalidade dos ordenamentos juridicos, desde finais do seculo passado (finais dos anos 90), estando como que “esvaseado de conteúdo”, face ao periodo anterior em que era olhado com desdém.


2 – A Raiz do Direito Comparado
O Direito pensado, criado e aplicado em outros ordenamentos juridicos, desde sempre, é apontado como fonte de direito, dos vários ramos existentes, não constituindo a Justiça Administrativa, uma excepção a essa regra.
Todavia, impôe-se neste âmbito, algumas considerações, tanto o mais, que o Direito Comparado, não é homogeneo, nem tem uma matriz única, que permita balizar as suas caracteristicas e propriedades influenciadoras.
Uma consideração inicial, respeita ao estado de inércia dos tribunais administrativos, e á situação de morosidade caracteristica da realização da justiça administrativa em que alguns paises da Europa, como a Alemanha, a Italia, a Espanha, a França, e o Reino Unido, se encontravam na alvorada deste milénio.
Nos últimos anos, estes modelos tem sido objecto de constantes reformas legislativas, em regra, parcelares, em que quase sempre, se verifica que a Justiça Administrativa, se transforma num solo de ensaios ou experiências legislativas sucessivas. Por regra, estas reformas introduziram o mesmo tipo de soluções, que se traduziram essencialmente, na aceleração e simplificação processual. Sendo que, em simultaneo com essas soluções, o legislador contemplou a orgânica judiciária de alterações, traduzidas na criação ou extinção de diferentes niveis de jurisdição.
Embora, os melhoramentos processuais introduzidos, divirgam de país para país, consoante as suas tradições e opções politico-legislativas, é possivel apontar uma intenção comum, que foi a de beneficiar os sistemas de mecanismos de aceleração processual. Podemos referir, como mecanismos de aceleração processual, entre outros, o encurtamento dos prazos processuais, a desformalização dos actos processuais, a criação das formas de acção sumária e provisória.
As reformas que estes sistemas sofreram, traduziam tambem, uma vontade de aperfeiçoar o modelo de Tutela Cautelar, modificando-o quanto ao tipo de medidas provisórias previstos, aos pressupostos de procedência das medidas e através da instituição dos processos de tutela urgente, cuja natureza juridica a doutrina de então discutia.
Do conjunto dos sistemas de justiça administrativa, que aqui procuramos dar conta e tratar e, no que respeita ao sistema cautelar neles instituido, é possivel configurar dois modelos, que se teem por opostos. São eles:
- o que consagra um tradicional ou tipico mecanismo de suspensão da eficácia de actos administrativos, que na ausência de efeito suspensivo do recurso de anulação do acto administrativo, evitam a perda da utilidade da sentença anulatória. Em alguns ordenamentos juridicos, que consagram este modelo, existe simultaneamente com o mecanismo da supensão de actos, um outro tipo de Tutela Cautelar, que se caracteriza por uma Tutela Cautelar Inominada, a qual está sujeita a apertados limites quanto ao seu conteúdo e condições de procedência
- e, o que consagra a Tutela Cautelar, assente, quer na suspensão da eficácia dos actos administrativos, que regra geral, funciona automaticamente pelo acionamento dos meios principais de impugnação dos actos, quer em medidas provisórias não especificadas, cujo campo de aplicação tem sido alargado ao longo do tempo. É o caso do sistema alemão.

O papel que a Tutela Cautelar, assume nos ordenamentos juridicos, e em concreto nos modelos de justiça administrativa, tem vindo a aumentar, desde o final da 2ª Guerra Mundial.
Desde essa data, tem-se acentuado a constitucionalização dos direitos do Individuo, de entre os quais se conta o direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva. Diga-se no entanto, que embora a generalidade das Constituições, consagre de forma expressa o direito a uma Tutela Judicial Efectiva, nem todas clarificam qual o conteúdo concreto desse direito. Tornando-se, necessário nestes casos, o recurso á clarificação do estatuto e respectivo direito, pelos Tribunais Constitucionais.


2.1. – A Tutela Cautelar no Direito Comparado
Com o objectivo de se delimitar os conteúdos e optimizar os resultados da comparação, que são relevantes na Tutela Cautelar, impõe-se nesta deambulação pelo Direito Comparado Seleccionado, o estabelecimento de critérios objectivos de selecção da matéria comparante.
Entendemos por conseguinte, que o melhor critério (e possivel para este efeito), será aquele que procure, no âmbito dos ordenamentos juridicos seleccionados, responder ás questões, (i) sobre o tipo de medidas cautelares previsto, e (ii) sobre as condições de procedência da decisão cautelar (a sumariedade cautelar).


2.1.1. – Alemanha
O sistema de Tutela Cautelar alemão, configura-se como um sistema de natureza subjectivista, que favorece os requerentes cautelares. Sistema este, que tem sido fonte de inspiração e influência para muita doutrina e jurisprudência, juridico-administrativa estrangeira.
i- tipos de medidas cautelares previstas no ordenamento alemão:
O sistema alemão de Tutela Cautelar, consagra duas variantes protectivas, ao nivel da Tutela Cautelar. São elas:
a-o efeito suspensivo automático da impugnação do acto administrativo.
Esta, suspensão automática da eficácia do acto, funciona, como regra, quando se acciona uma impugnação administrativa ou quando se recorre jurisdicionalmente do acto administrativo.
Nos casos excepcionais, em que o efeito automático suspensivo dos meios impugnatórios ou anulatórios não actuam, ha necessidade imediata do acto, fixado por lei ou por menção do autor do acto. Pelo que, se permite ao requerente solicitar ao Juiz, que aprecie a questão da suspensão ou do eventual restabelecimento do efeito suspensivo.

b-a emissão de uma ordem provisória
A ordem provisória, comporta dois tipos de Tutela Provisória, atendendo ao seu conteúdo, efeitos e limites. São eles:
b.1.- a ordem asseguradora: que é emitida para satisfazer a necessidade de conservar um determinado status quo, quando se receia que seja alterada de forma irreversivel e definitiva, enquanto o requerente aguarda a decisão do processo principal. É através deste tipo de ordem que é garantida a Tutela Preventiva.
b.2.- a ordem reguladora: é ordenada quando o particular já não pretende apenas guardar um determinado estado de direito ou de facto, mas quando este deseje que o Juiz Cautelar modifique e inove o status quo ante, porque de outra forma a sentença da acção principal deixaria de ter efeito útil. Neste caso, o Juiz antecipa de forma provisória uma regulação judicial.

ii- condições de procedência da decisão
Quanto á suspensão automática da eficácia, constituem condições de procedência da decisão, a verificação cumulativa da:
-a aparência do bom direito
-o periculum in mora
Quanto às ordens provisórias, não existe na doutrina nem na jurisprudência, consenso quanto ás condições de procedência da decisão. Como decorrência legal (art.123º do VwGO), só existem duas condições de procedência:
-a existência de uma pretensão juridica subjectiva
-a existência de uma necessidade de protecção cautelar urgente.
Todavia, há doutrina e jurisprudência que acrescentam, uma terceira condição de procedência, cumulativa com as outras duas, que é a que corresponde à ponderação de interesses publicos e privados.


2.1.2. – Espanha
Antes da Reforma do Contencioso Administrativo de 1998 (Lei nº29/98 de 13 de Julho), a Tutela Cautelar em Espanha, consagrava apenas uma medida, que era a suspensão da eficácia de actos administrativos.
Com a referida Reforma, consagrou-se um principio de atipicidade, do qual decorre que passa a ser possivel adoptar tantas medidas quantas as necessárias para assegurar a efectividade da sentença. Além de que, por força da garantia de Tutela Judicial Efectiva, as medidas cautelares podem ter caracter conservatório ou antecipatório.

i-tipos de medidas cautelares previstas no ordenamento espanhol.
A lei consagra a existência de dois sistemas distintos de medidas cautelares:
a-um regime cautelar comum: quando se trate de actos ou regulamentos;
b-um regime cautelar especial: quando está em causa casos de omissão administrativa.

ii-condições de procedência da decisão
As condições de procedência da decisão Tutelar Cautelar, variam consoante o regime perante o qual estejamos.
No Regime Cautelar Comum, são apontados como condições de procedência da decisão:
- o periculum in mora;
- a ponderação de todos os interesses em conflito no processo, de acordo com o principio da proporcionalidade.
Quanto a estas refira-se que o legislador espanhol, não consagrou de forma expressa o fumus boni iuris. E que a doutrina espanhola, não atingiu ainda o consenso, sobre a sua necessidade, neste tipo de Tutela Cautelar.

No Regime Cautelar Especial, as condições de procedência da decisão, são diferentes do regime geral. São eles:
- o fumus boni iuris;
- a ponderação de interesses.


2.1.3. – França
Em 2000, o ordenamento juridico francês, foi objecto de uma profunda Reforma, no âmbito da Tutela Cautelar. Dessa Reforma, pode-se apontar como relevantes alterações:
- a admissibilidade do decretamento da suspensão da eficácia de um acto administrativo pelo Juiz do Apelo (référé);
- a aceleração do procedimento de Apelo (référé)
- a possibilidade de o Juiz do Apelo dirigir ordens á Administração
- a possibilidade de o Juiz de Apelo antecipar os efeitos da decisão de fundo
- a criação de um original procedimento de Apelo, no processo administrativo para a defesa das liberdades fundamentais perante qualquer actuação da Administração (Apelo de Liberdade – Référé Liberté)

i-tipos de medidas cautelares previstas
Da referida Reforma, emergiram uma série de Procedimentos Rápidos, de entre os quais se destacam os Apelos (Référés) (traduzimos aqui de forma livre, face á não tradução do francesismo pela doutrina), que são processos rápidos, que terminam ou com sentenças provisórias, ou com sentenças definitivas, e que são utilizados em casos de urgência ou em que a sua utilidade é imprescindivel, os quais poderão ou não apreciar a questão de fundo.
No entanto, só alguns destes procedimentos de Apelo (référés), tem natureza cautelar, como sejam:
a- o référé suspension (apelo de suspensão) : que é um procedimento que permite a suspensão da execução de uma decisão administrativa, aplicando-se inclusivamente a decisões administrativas de conteudo negativo. Este procedimento, tem uma caracteristica singular em relação aos restantes, que é o seu caracter acessório face ao recurso de anulação
b- o référé liberté (apelo de liberdade) : que é um procedimento que permite ao Juiz ordenar com caracter provisório todas as providências (ordens de fazer ou não fazer), adequadas a assegurar ou proteger uma liberdade fundamental
c- o référé conservatoire (mésures utiles) (apelo de conservação) : que é um procedimento que permite ao Juiz do Apelo, em casos de urgência, ordenar todas as medidas consideradas úteis, sem que estas constituam um obstáculo á execução de uma decisão administrativa.

Refira-se tambem, que além, destes procedimentos, outros estão previstos e regulados no Código de Justiça Administrativa francês, mas que por lhes faltarem, a qualidade de processo de urgência, não foram por nós aqui considerados. São eles:
- o référé constat
- o référé instruction
- o référé provision

ii-condições de procedência da decisão
Quanto ás condições exigidas á procedência da decisão, há que destingui-las consoante os procedimentos. Assim, constituem requisitos de procedência da decisão para o :
a- référé suspension (apelo de suspensão):
- a verificação da urgência na suspensão do acto (urgência que se exige associada a um prejuizo grave, iminente ou actual);
- a verificação de uma dúvida séria sobre a legalidade da decisão administrativa.
No âmbito deste procedimento, a jurisprudência exige ainda, a verificação de um terceiro requisito: a ponderação dos interesses públicos e privados em conflito.

b- référé liberté (apelo de liberdade):
- a existência de uma situação de urgência;
- a violação grave e ilegal de uma liberdade fundamental pela Administração.

c- référé conservatoire (apelo de conservação):
- a existência de uma situação de urgência;
- a utilidade da medida;
- o não impedimento da execução de uma decisão administrativa.


2.1.4. – Itália
Antes da Reforma de 2000 (Lei nº 205 de 21 de Julho), o ordenamento juridico italiano, consagrava apenas uma única medida de Tutela Cautelar, que era a providência de suspensão da execução do acto administrativo. E só, na circunstância em que essa execução causasse danos graves e irreparáveis ao requerente. Diga-se no entanto, que a jurisprudência, desde os anos 90, aplicava esta providência a outras situações atipicas, fazendo uso de uma interpretação extensiva que lhes permitia alargar o âmbito dos actos.
Com a Reforma de 2000, consagrou-se em matéria de Tutela Cautelar, um principio de atipicidade, através do qual se permite ao Juiz decretar a providência cautelar, mais adequada ás circunstâncias de cada caso. O que denota, uma aproximação da Tutela Administrativa á Tutela Civilistica.

i-tipos de medidas cautelares previstas
A Lei dos Tribunais Administrativos Regionais, passou a conceder ao requerente cautelar, a faculdade de optar por uma de três medidas expressamente consagradas:
a- medida cautelar ao abrigo de uma cláusula de atipicidade;
b- medida provisória para situações de absoluta urgência;
c- medida de antecipação do juizo de mérito num procedimento cautelar.

ii-condições de procedência da decisão
Os requisitos de procedência da decisão da Tutela Cautelar, foram tambem consagradas de forma expressa pela Reforma de 2000. Assim, a Lei dos Tribunais Administrativos Regionais, passou a considerar, como condições de procedência, da Tutela Cautelar:
- o periculum in mora : No entanto, ha doutrina que se tem manifestado contra a formulação do conteúdo do periculum in mora, como prejuizo grave e irreparavel
- o fomus boni iuris.


2.2. – Sintese conclusiva
Destes sistemas de Direito Comparado, decorreram influências diversas para o nosso ordenamento juridico-administrativo.
Podemos afirmar, que com a Reforma do contencioso administrativo de 2004, o nosso sistema de Tutela Cautelar, se procurou aproximar de grande parte dos sistemas que aqui tratámos. Tentando, nessa aproximação colher os aspectos que lhe pareceram mais positivos de cada sistema, de forma a conformar o seu proprio conteúdo, com as melhores soluções.
Concretizando esta aproximação, constatamos que do ordenamento Alemão, o legislador português, sugou pouco ou nada, havendo inclusivé doutrina nacional (Maria Glória Garcia), que se congratule com o facto de não se ter seguido de perto, este sistema, pelos “embaraços” que o mesmo traz á prossecução do interesse público e aos interesses que coincidem com essa prossecução.
Do sistema Espanhol, importou-se o regime especial para protecção de direitos fundamentais, se bem que, á data, essa era já uma exigência constitucional.
Do sistema Francês, o legislador portugês desde sempre tem bebido muita da sua inspiração legislativa, podendo-se, todavia, afirmar que um dos ultimos grandes goles que terá tomado, foi durante a reforma de 1984/85.
Do sistema Italiano, resultaram no decorrer da Reforma de 2004, fortes influências, que foram consagradas de forma expressa na nossa Tutela Cautelar.
Estamos assim, em condições de afirmar, que dos diversos sistemas de Direito Comparado que lhe eram próximos e conhecidos, o legislador português, aquando da Reforma de 2004, teve a aptidão de seleccionar, de forma moderada, os aspectos que lhe pareceram mais positivos, para a reconstrução do seu próprio sistema de Tutela Cautelar.


B – As Raizes endógenas
Como já haviamos referido, a Tutela Cautelar, tem na sua génese, factores endogenos, aos quais recorre, para a construção e configuração da sua própria identidade, os quais denominamos de raizes endogenas.
Endogenas, porque o solo que as alimenta, é o nosso proprio ordenamento juridico, com as várias instituições que o compoem.
Este conjunto de criação interna, apresenta como principais intervenientes activos, a doutrina e a jurisprudência, que ao problematizarem e tomarem posição sobre as matérias controvertidas, no dominio da Tutela Cautelar, ajudam á sedimentação da solução para o caso concreto, mas tambem á delimitação da própria figura.
Convém, não esquecer que neste conjunto de intervenientes, é de inserir, um sujeito, que muitas vezes, acaba esquecido, que é o “publico”. Publico, no sentido, do sujeito que participa, em razão do dominio da materia, no debate e discussão pública, das questões controvertidas a regulamentar, como o que sucedeu com o projecto, submetido a tal troca de argumentos, e que veio a culminar na Reforma de 2004. Neste sentido, diga-se, por exemplo, que na determinação das condições de procedência das providências cautelares, o legislador reformista, não descurando, porém uma análise profunda dos sistemas de direito comparado, acabou por na redacção final da lei nº15/2002, aproveitar em grande parte, o sumo do debate a que o projecto, havia sido submetido.

1 – A evolução da Tutela Cautelar em Portugal
A Tutela Cautelar no contencioso administrativo português, apresenta-se hoje, como uma Tutela Judicial Efectiva. No entanto, este resultado, corresponde a uma soma de etapas, que a generalidade da doutrina considera longa e penosa.
Não descurando, que de permeio, existiram momentos não menos importantes, somos de opinião, que a evolução da Tutela Cautelar, no nosso ordenamento juridico, em particular no Contencioso Administrativo, é susceptivel de ser comprendida, através de uma sistematização, que a encerre em quatro grandes momentos.

O primeiro, desses momentos, remonta a 23 de Março de 1846. Data, da primeira medida cautelar decretada entre nós. Medida, proposta pelo Conselho de Estado á Rainha D. Maria II (casada com D.Fernado II), e que consistia, na suspensão da eficácia de uma postura da Camara Municipal do Porto, que ordenava a remoção, em quatro meses, de uma fábrica de velas de sebo. Medida, que D.Maria II deferiu, atendendo ao facto, que os danos poderiam ser irreparáveis para o requerente, e de que com tal suspensão, não haveria prejuizo para o interesse público.

O segundo momento, relevante, deste conjunto, surge com o Decreto-lei nº 31 095 de 31 de Dezembro de 1940, que no dizer de alguma doutrina da época, veio operar uma revisão significativa, no Código Administrativo de 1936.
Acompanhamos, aqui, a opinião de Marcello Caetano, quando refere que “o espírito e o sistema deste texto (D.L. nº 31 095 – Codigo de 1940), são os mesmos do Código de 1936”, porque as alterações embora significativas, ficaram-se pela alteração da redacção de artigos (836), o acrescento de matéria nova, e a supressão de algumas divisões na sistemática, mantendo a filosofia óriginária.
Este Código, denominado de 1940, veio á data, proceder a inumeras alterações na matéria administrativa, sendo que no âmbito da Tutela Cautelar, consagrou a possibilidade de a Administração requerer contra os particulares, todo o tipo de providências cautelares previstas, na lei processual civil. Ficando, residualmente reservado aos particulares, a suspensão da executoriedade do acto administrativo.
Embora tivessem ocorrido momentos, em que este estado de coisas, pudesse ser alterado, como a entrada em vigor da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo de 1956 ou com o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo de 1957, o facto, é que esta desigualdade de Tutela Cautelar, se manteve inalterada até á decada de 80.

O terceiro momento, ocorre com a publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e com a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), nos anos de 1984/85.
Na LPTA, consagrou-se, á data, uma vez mais, a suspensão da eficácia, com o estabelecimento de requisitos cumulativos, considerados isoladamente (art.76º). A Suspensão da Eficácia, era uma providência com efeito negativo, isto é, tinha por objectivo conservar, o status quo, existente antes da prática do acto administrativo. Mas agora, ao contrário do Código revisto de 1936, admitem-se outras providências, como: a intimação para consulta de documentos e passagem de certidões (art.82º); a intimação para um comportamento (art. 86º); e a produção de prova antecipada (art. 92º). Diga-se no entanto, que houve divergência na doutrina, quanto a considerar esta última, uma providência cautelar, apontando-se contra, a falta das caracteristicas da instrumentalidade e provisioriedade (Carla Amado Gomes).
Particularizando um pouco esta questão, a Intimação para um Comportamento (art. 86º), era uma providência, insusceptivel de ser requerida contra a Administração. Inicialmente, quando esta medida cautelar, foi acolhida na LPTA, quer a doutrina, quer a jurisprudência, estavam longe de advinhar o fracasso em que ela se iria traduzir. Porque, havia expectativa de este meio cautelar, se poder compatibilizar com a acção para o reconhecimento de direitos, numa prespectiva condenatória, o que permitiria a vinculação da Administração a um determinado comportamento. Todavia, o destino foi outro, e esta medida rapidamente foi convertida, de forma a que só pudesse ser aplicada contra particulares.
Diga-se também, que a doutrina de então, divergia quanto á qualificação desta medida como cautelar, sobretudo devido, á instrumentalidade deste meio. Como defensores do caracter de providência cautelar, surgiram Carlos Cadilha e Pedro Martinez, a quem se opunham, Vieira de Andrade e Isabel Fonseca.
A instrumentalidade da Intimação para um Comportamento, foi colocada em causa, por não ser configuravel, o tipo de meio processual principal, com que ela pudesse ser conjugada. Porque, o meio processual tipico, era então, o recurso contencioso de anulação e a intimação para um comportamento era subsidiária, face aquele (art. 86º nº 3 da LPTA), pelo que não podia ser utilizado conjuntamente.

Aproveitamos aqui, para desenvolver a Suspensão da Eficácia, pela importância e controvérsia, que a figura teve neste “momento” da evolução da Tutela Cautelar, que ora tratamos.
Além do catálogo dos meios cautelares ser reduzido, aquele que era considerado pela doutrina, o principal meio de Tutela Cautelar (a suspensão da eficácia), foi objecto de um tratamento legislativo e jurisprudêncial demasiado formalista, rigido e limitativo.
Os efeitos da suspensão da eficácia, eram de natureza negativa (ou conservatória na terminologia da doutrina maioritaria), o que não permitia responder á questão dos actos negativos, do silêncio e de toda a actuação material da Administração. Á data, esta situação, assumia contornos de gravidade, por força e no contexto, de uma Administração, cada vez mais reguladora.
O objecto da suspensão da eficácia, não compreendia no seu conteúdo, os actos administrativos negativos (puros), pelo que prejudicava as pretensões de caracter positivo deduzidas pelos particulares e negadas pela Administração. Alinhavam-se então, dois argumentos justificativos para o facto, que eram:
- o acto negativo, era estruturalmente susceptivel de produzir efeitos inovadores na esfera juridica do particular, pelo que não se justificava a sua suspensão;
- o princípio da separação de poderes, não permitia que se impussesse á Administração, obrigações de facere.
Não obstante, este estado desfavoravel, tentou-se, através do recurso a fórmulas rebuscadas, salvar os actos negativos com efeitos positivos (recusa de pedidos de manutenção de uma situação juridica).
Esta medida cautelar, não garantia uma tutela eficiente na ausência do acto administrativo. Pelo que, os particulares, ficavam desprotegidos, quer quanto a algumas actuações mais nocivas da Administração, como as omissões e as operações materiais, quer ao nivel da actividade regulamentar de eficácia imediata.
Havia ainda autores (Maria Fernanda Maças), que apontavam como aspectos negativos deste meio cautelar:
- a prevalência geral e abstracta, dada pelos tribunais ao interesse público ao nivel da ponderação. E a verdade, é que a grande parte das vezes, o interesse público, era considerado como o interesse defendido pela Administração.
- a concepção economicista, da apreciação do conceito de prejuizo de dificil reparação. O qual, era reconduzido á substituição da restauração natural, pela reparação pecuniária, e á afirmação da presunção de legalidade do acto administrativo (o qual onerava excessivamente os particulares em matéria de prova).

O quarto momento, dá-se com a entrada em vigor do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos a 1 de Janeiro de 2004.
No entanto, para bem compreender, este ultimo momento da evolução da Tutela Cautelar, no ordenamento juridico português, impõe-se como necessário, uma retrospecção, aos ultimos anos do periodo (momento) anterior.
Com a Reforma de 1984/85, foram mais os passos ao lado que os passos em frente, dados pelo legislador. A situação, ao nivel da Tutela Cautelar, estava catastrófica, face ao número de meios cautelares ao dispôr dos particulares.
No sentido de ultrapassar esta realidade, a doutrina, estimulada pela revisão constitucional de 1997, começou por defender que o principio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares (art.20º e 268º da CRP), impunha a aplicação de medidas cautelares não especificadas no âmbito do processo administrativo. Interpretação, que era complementada com o art. 1º da LPTA, do qual se retirava a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, e com o principio pro actione.
Esta interpretação, começou por ser timidamente acolhida, pela jurisprudência do STA, em 8 de Julho de 1997, num acordão desse mesmo tribunal. Provavelmente impulsionado, pela revisão constitucional desse mesmo ano, que consagrou, a protecção cautelar como uma das dimensões do principio da Tutela Judicial Efectiva dos direitos dos particulares.
Todavia, é no acórdão do TCA de 4 de Fevereiro de 1999, que se atinge um dos momentos mais marcantes do terceiro momento da evolução da Tutela Cautelar, ao decidir-se que o recurso contencioso de anulação podia articular-se com providências cautelares especificadas.
Este aumento de flexibilidade, apresenta-se já como uma transformação do padrão da rigidez e formalismo, caracteristicos do terceiro momento, e fazem advinhar, a chegada do modelo da plenitude, caracterizante do quarto momento evolutivo.
Nestes termos, acompanhamos a conclusão de Vasco Pereira da Silva, quando afirma que a reforma de 1984/85, “foi incompleta, ficando a meio caminho”.
Assim, o quarto momento, da nossa sistematização, inicia-se com a entrada em vigor do novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, em Janeiro de 2004, data que assinala uma verdadeira revolução em matéria de Tutela Cautelar.
Com a reforma de 2004, passa-se do padrão do formalismo e rigidez procedimental, para um padrão de plenitude. E esta ideia de plenitude, no dizer de alguma doutrina, deriva de três niveis: a autonomia formal do sistema do CPTA face ao Direito Processual Civil; a multifuncionalidade das várias modalidades de Tutela (a diversidade de efeitos cautelares possiveis e as potencialidades ao nivel da cumulação de providências); e a cobertura total de todas as formas de actuação administrativa (acto, regulamento, controlo, operação material e actuação informal).
Quanto á plenitude no CPTA, diga-se o seguinte: o legislador reformista, fez assentar a Tutela de Urgência, na existência de processos urgentes principais e processos urgentes cautelares.
- Os processos urgentes principais, estão previstos no Titulo IV do CPTA, e são processos aptos a terminarem com o proferimento de sentenças que se pronunciam sobre o fundo da causa com caracter definitivo.
- Os processos urgentes cautelares, estão previstos no Titulo V do CPTA, e são os que visam assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito do processo principal. Processos que se caracterizam pela instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.
Para além destes procedimentos, ha ainda a possibilidade de recorrer a providências cautelares especificadas no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações. (Matéria que a doutrina juridico-administrativa, trata sob a denominação de Tutela Cautelar Não Especificada, a maioria das vezes).


2 – As alterações á Tutela Cautelar de 2004
O sistema anterior á Reforma de 2004, era um sistema inspiradamente de tipo francês, que em bom rigor, só comportava como medida cautelar, tipicamente administrativa, uma única providência, que era a “suspensão da eficácia do acto administrativo”.
A partir de 1 de Janeiro de 2004, este estado de coisas, transformou-se radicalmente, e passam a estar previstos no noéfito CPTA, quase todas, senão todas, as providências possiveis em Direito Administrativo.
Esta alteração, na morfologia da Tutela Cautelar é susceptivel de ser sintetizada, utilizando o critério da previsão expressa das providências cautelares. Assim temos:
a- as providências nominadas : que são aquelas que se encontram previstas de forma expressa no CPTA, e que são:
1. a proibição de executar um acto administrativo (arts. 129º e 130º)
2. a suspensão da eficácia de normas (art.130º)
3. as providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos (art. 132º)
4. prestação provisória de quantias em dinheiro (art. 135º)
5. produção antecipada de prova (art. 134º)
6. a suspensão da eficácia de um acto ou de uma norma (art. 112º nº2 alinea a)
7. a admissão provisória de particulares a concursos e exames (art. 112º nº 2 alinea b)
8. a atribuição provisória da disponibilidade de um bem (art. 112º nº 2 alinea c)
9. a autorização provisória dada a um interessado para iniciar ou prosseguir uma actividade ou adoptar uma conduta (art. 112º nº 2 alinead)
10. a regulação provisória de uma situação juridica (através da imposição á administração, do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a titulo de reparação provisória (art. 112º nº 2 alinea e)
11. a intimação para a adoptção ou abstenção de uma conduta por parte da administração ou de um particular, por alegada violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo (art. 112 nº2 alinea f)

b-as providência inominadas : que são as que não estão previstas de forma expressa no CPTA, mas ás quais se pode recorrer, por força da remissão do art. 112º nº2 do CPTA, o qual remete para as previstas no Código de Processo Civil.
- No entanto, a utilização destas providências tem de ser feito com ponderação, e sempre de modo justificado e necessáriamente adaptadas á realidade administrativa.
- O recurso a estas providências, exige uma especial adaptação, que se traduz em dois pressupostos cumulativos:
i- a providência tem de se revelar adequada á situação que se visa tratar no contencioso administrativo
ii- e a aplicação da providência, tem de ser feita com as necessárias adaptações (nunca poderá ser uma adaptação pura e simples.

Outro aspecto relevante, decorrente da Reforma de 2004, foi a consagração de forma expressa, no texto do CPTA, de duas modalidades básicas de providências cautelares, no dominio do contencioso administrativo (art. 112º nº1 do CPTA), que foram as providências antecipatórias e as conservatórias. Embora tenha consagrado estas modalidades, o legislador não avançou a definição das mesmas, pelo que acompanhamos aqui, a caracterização destas feita por Freitas do Amaral:
- Providências antecipatórias : “são as que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito.”;
- Providências conservatórias : “são as que se destinam a reter, na posse ou titularidade do particular, um direito a um bem que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder.”

Concluindo, aqui novamente, próximo de Freitas do Amaral, com a Reforma do Contencioso Administrativo de 2004, no âmbito da Tutela Cautelar, passámos, em bom rigor, de um contencioso de mera anulação, criado á semelhança do sistema de tipo francês, que tinha uma conexa possibilidade de suspensão do acto recorrido, para um contencioso de plena jurisdição, de inspiração italiana, o qual comporta uma ampla panóplia de providências cautelares. As quais podem atingir, inclusivé, a intimação da Administração a realizar prestações de fazer ou não fazer, de pagar, de dar, e até a condenação da Administração a não praticar um acto administrativo.



João Carlos Lopes Guerreiro (Nº 18494)








segunda-feira, 18 de maio de 2009

Contencioso tributário - slides em versão word

Olá caros colegas!
Publico os slides de contencioso tributário em versão word que todos vós já haviam recebido no vosso e-mail no dia 13 de Março.

Após várias tentativas em tentar publicar a versão em power point, fotografia, PDF e de tentar enganar o sistema do blogger para esses fins- que não permite a publicação nesse tipo de ficheiros, optei por publicar nesta versão até para facilitar a sua impressão, isto para quem ainda não o fez com a versão que vos enviei por e-mail.

Cumprimentos a todos

Sara Cristo e Silva

slide 1
PROF. DR. ANA PAULA DOURADO

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

MESTRADO JURÍDICO-FORENSES

slide 2
I – A EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO NO CONFRONTO COM A EVOLUÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
O sistema do administrador-juiz
2. A jurisdicionalização do Contencioso Tributário e tutela jurisdicional plena e efectiva dos contribuintes perante a Administração no Estado Pós-Social
3. A ausência da tutela jurisdicional plena e efectiva dos contribuintes até às reformas fiscais de final dos anos 80: referência à legislação fiscal anterior à reforma
4. A discricionariedade técnica como forma de impedir a tutela jurisdicional plena e efectiva
4.1. A discricionariedade técnica na jurisprudência da 2.ª Secção do STA
4.2. A discricionariedade e a vinculação da administração na jurisprudência da 2.ª Secção do STA
5. O Código de Procedimento e Processo Tributário como exemplo da ainda não completa jurisdicionalização do Contencioso Tributário

slide 3

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
•Concepção objectivista ou subjectivista
•Defesa da legalidade e do interesse público ou dos direitos das partes
•Processo de partes ou não?
•Como processo jurisdicional é um litígio entre partes –contestação da FP –art. 110 CPPT; Art. 25. Representante da FP não refere a defesa da legalidade


slide 4
•A AT tem o dever de executar as sentenças dos tribunais – art. 146/1 CPPT – Meio processual acessório de execução de julgados
•Art.º 10.º n.º 1 e) do CPPT: Compete aos serviços da AT receber e enviar ao tribunal tributário competente as petições iniciais nos processos de impugnação judicial que neles sejam entregues (Art. 103.º n.º 3, no prazo de 5 dias após pagamento da taxa de justiça inicial)

slide 5
. Opção para o impugnante: apresentação da impugnação no tribunal ou no serviço da AT onde foi ou deva legalmente considerado praticado o acto (Art. 103.º n.º 1, CPPT)
bem como organizar o processo e remetê-lo ao representante da Fazenda Pública (Art. 111.º CPPT), sem prejuízo de a AT poder revogar total ou parcialmente o acto, caso o valor do processo não exceda 5x o valor da alçada do tribunal tributário de 1.instância (Art. 112.º CPPT)

slide 6
Art. 13.º n.º 2 CPPT: As autoridades e repartições públicas são obrigadas a prestar as informações que o juiz entender necessárias ao bom andamento dos processos
•Juiz conhece do pedido após vista ao MP Art. 113.º n.º 1 CPPT
•Papel do MP pode suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido – Art. 113.º n.º 2 do CPPT

slide 7
•Modelos organizativos administrativistas estão ultrapassados – “poder de decisão em matéria de contencioso ad da competência de órgãos da administração”
•Regime proc. natureza fundamentalmente objectivista – o recurso de anulação/impugnação de um acto – fiscalização da legalidade

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•Modelos organizativos administrativistas estão ultrapassados – “poder de decisão em matéria de contencioso ad da competência de órgãos da administração”
•Regime proc. natureza fundamentalmente objectivista – o recurso de anulação/impugnação de um acto – fiscalização da legalidade

slide 9
•Associado a uma protecção jurídica efectiva dos particulares (influência das concepções anglo-saxónicas):
•Jurisdicionalização total
•Meios de acção de jurisdição plena – juiz com amplos poderes de cognição e decisão
•Aspectos subjectivistas – poderes e deveres processuais, efeitos da sentença, limites do caso julgado

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•Modelos objectivistas puros – ultrapassados mas vantagens:
•Defesa da legalidade – e ptto também dos interesses das partes (ex. Ónus da prova)
•Extensão – alarga legitimidade para acesso a tribunal
•Modelo subjectivista – limita protecção aos titulares de direitos

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•FP- Art. 15 não faz referência à legalidade (representar a AT)

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•Princípios do processo
•Vinculação do juiz ao pedido – Art.º 123.º CPPT (Sentença- Objecto): juiz identifica os factos objecto do litígio e a pretensão do impugnante
•Limitação do juiz à causa de pedir- requisitos da petição inicial. Identificação do acto e da entidade que o praticou – Art. 108 n.º 1 CPPT (mas possibilidade de o juiz decidir com fundamento na violação de disposições de princípios ou disposições diferentes dos invocados)

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•MP também pode invocar outros vícios – Art. 124º n. 2 b) CPPT
•E conhecimento oficioso: nulidades até ao trânisto em jugado da decisão final – Art. 98.º n.º 2
•Princípio da estabilidade objectiva da instância – manifestação do p. do dispositivo (o pedido e causa de pedir são determinados no início do processo) – Art. 108.º CPPT (requisitos da petição inicial)

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•Limitações – ampliação e substituição do pedido? MP pode suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido – Art. 113.º n.º 2 CPPT
•Nulidades - conhecimento oficioso ex.: ineptidão da petição inicial (Art. 98.º n.º 1 a) CPPT)

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•Prossecução processual
•Princípio da tipicidade e adequação formal da tramitação
•Princípio do dispositivo ou da autoresponsabilização das partes
•Limites: MP – prosseguimento do recurso
•Confissão – a não contestação não representa confissão dos factos articulados pelo impugnante – Art. 110 n. 6

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•Transacção? – não no quadro da impugnação
•Mas pode haver revogação do acto –112.º CPPT

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•Direito de audiência ou do contraditório
•Notificação das alegações – art. 120.º CPPT
•Princípio da devolução facultativa ou da suficiência discricionária- juiz pode escolher entre sobrestar na decisão até que tribunal competente decida ou decidir com base nos elementos que de provas admissíveis e com efeitos limitados àquele processo (sufic. Discricionária)

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. Garantias constitucionais do administrado - 268.º
. Princípio do dispositivo vs. Princípio do inquisitório e da verdade material
. Art.58.º da LGT- Princípio do inquisitório – “ A administração t. Deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”
. Art. 13.º n.º 1 do CPPT – Poderes do juiz – “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.

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Limite ao p. do inquisitório – pedido e causa de pedir
Possibilidade de estender a instrução a factos instrumentais e qualificar autonomamente os vícios
Intervenção do MP, mas MP não pode invocar factos que fundamentem a legalidade do acto qdo tal não seja invocado na decisão ad ou não tenha sido objecto do recurso (Ac. do STA, 12.12.96, 1. Secção)

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. Ónus da prova e diminuição da medida da prova/. Deveres de colaboração do sujeito passivo; Acordo quanto a factos
. Art. 74.º da LGT:
1.O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque
2.Qd os elementos de prova dos factos estiverem em poder da AT, o ónus previsto no n. Anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da AT
3.Em caso de determinação da mat colectável por métodos indirectos, compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao sp o õnus da prova do excesso da respectiva quantificação
Carácter objectivista da impugnação – p. da verdade material e da investigação

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•Princípio da livre apreciação da prova
•Art. 110.º n.º 7
•Princípio do ónus da prova objectivo – o juiz deve ir além dos factos alegados e provados por cada uma das “partes” interessadas
•A decisão desfavorece quem não vê provados os factos em que assenta a posição por si sustentada

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•O art. 74 n. 2 da LGT – confunde ónus da prova com ónus de alegação
•O art. 74 n. 3 da LGT – contém um princípio de diminuição da medida da prova

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•A AT está sujeita ao p. da legalidade e da juridicidade e ao dever de fundamentação

slide 24
•O “contencioso fiscal” judicial não foi verdadeiramente autonomizado do processo administrativo até à constituição de 1976
•Os recursos fiscais contenciosos eram comummente julgados por órgãos da administração
•Ou os juízes nomeados por livre escolha do ministro das finanças
•Certas decisões administrativas (ou “a questão principal” destas) não eram susceptíveis de recurso contencioso

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•Reg. de 26 de Abril de 1870 (“Regulamento do Ministério da Fazenda”), as entidades competentes para as questões contenciosas, não têm qualquer autonomia dos órgãos da administração

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Art.º 78.º do Regulamento: são consideradas questões contenciosas as reclamações contra os actos ou resoluções das auctoridades a quem pertence a administração da fazenda publica, quando tiverem por fundamento a offensa ou violação de direitos adquiridos por virtude das leis, decretos, regulamentos ou contractos celebrados com o governo

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•A decisão de tais questões, nos termos do art.º 74.º do Regulamento, “continuarão a pertencer aos conselhos das direcções geraes, constituidos pelo respectivo director geral, que presidirá ás sessões, e pelos chefes de repartição”

slide 28
•exceptuam-se das questões contenciosas, nos termos do § único do art.º 78.º
•“1.º As questões fundadas em titulos de propriedade ou posse, questão da competencia dos tribunaes judiciaes;
•2.º As reclamações extraordinarias, permittidas pelo decreto de 29 de dezembro de 1849, sobre impostos directos, que por unanimidade das informações obtidas se conheça terem sido indevidamente repartidos ou lançados. A decisão d´estas reclamações pertence ao ministro ou ao respectivo director geral, quando esteja para isso auctorisado;

slide 29
•3.º Os processos sobre tomadias ou arrestos por contrabando ou descaminho, os quaes continuarão a ser resolvidos conforme as disposições do artigo 3.º e seus §§ do referido decreto

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•ainda no âmbito dos impostos cedulares sobre o rendimento que antecederam a reforma fiscal de 1988, algumas das decisões do fisco também não eram susceptíveis de recurso contencioso, inclusivamente, já no âmbito de vigência da CRP de 1976

slide 31
•Nos termos do art.º 79.º do Regulamento, “Das decisões do ministro não póde haver recurso para o conselho d´estado senão nos casos de incompetencia ou excesso do poder. § único. N´estes recursos o conselho d´estado só conhece da incompetencia e excesso, e não delibera sobre a questão principal”

slide 32
•era o caso, no âmbito do código da contribuição industrial:
•Das decisões sobre os limites de custos ou perdas considerados indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos, pela DGCI;
•Sobre as reintegrações e amortizações;
•Sobre o método a utilizar, autorizado pela DGCI, para calcular os encargos de reintegração e amortização;

slide 33
•Sobre quais as contribuições das empresas para seguros dos trabalhadores, dedutíveis;
•Sobre o preço de mercado das existências;
•Sobre a forma de aplicação do critério valorimétrico, quando houvesse mudança deste;
•Sobre o critério de determinação dos resultados da liquidação de existências;
•E sobre as correcções ao lucro tributável em caso de relações especiais entre contribuintes.

slide 34
•Em todos esses casos, era admitido recurso hierárquico para o ministro das finanças, mas do despacho deste não havia recurso (art.º 138.º do CCI)

FIM